Sífilis
Sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pela espiroqueta Treponema pallidum.
ETIOPATOGENIA: Causada pela bactériaTreponema pallidum, patógeno
exclusivo do ser humano. É destruído pelo calor e falta de umidade, não
resistindo muito tempo fora do seu ambiente (26 horas).
A transmissão se dá pela penetração dos treponemas através das membranas mucosas ou microfissuras na pele.
As principais vias de contaminação são o contato sexual, transmissão vertical da mãe para o feto (intraútero), transfusão sanguínea e, ocasionalmente, por feridas de pele contaminadas. Transmissão através de objetos e assentos sanitários é praticamente nula pela labilidade do treponema que morre quando seco ou exposto a desinfetantes. A transmissão ocorre, quase exclusivamente pelo contato direto com lesões infectadas.
Classificada em sífilis congênita, quando a transmissão é vertical de mãe pra filho e sífilis adquirida, englobando as outras formas de contágio, sendo a forma sexual, a principal via de transmissão da doença.
EPIDEMIOLOGIA: Doença muito prevalente no passado, teve redução considerável após introdução da penicilina. Recentemente vem mostrando incremento nas estatísticas, talvez relacionada a imunodeficiência humana causada pelo vírus HIV. A OMS estima em 340 milhões o número de casos novos de DST curáveis (estando a sífilis incluídas nesses números).
Atinge principalmente homens, com pico de incidência em idade sexual ativa, principalmente dos 15 aos 40 anos.
QUADRO CLÍNICO: Tem uma vasta gama de apresentações clínicas, usualmente chamada de “grande simuladora”, pela capacidade de imitar e/ou se confundir com outras doenças. Caso não seja tratada, evolui em estágios progressivos: primária, secundária, latente e terciária.
Na sífilis adquirida, o Treponema penetra na membrana mucosa íntegra e dentro de algumas horas, invade vasos linfáticos e sanguíneos para produzir infecção sistêmica. O tempo de incubação entre a contaminação e aparecimento da lesão primária no sítio da infecção gira em torno de 3 semanas, podendo variar de 10 a 90 dias.
O sistema nervoso central é precocemente invadido na infecção. Os estudos mostram que na sífilis secundária 30% dos pacientes tem alteração no liquor. Porém, em mais de 70% dos casos o treponema desaparece do líquor, mesmo sem tratamento. Quando a infecção persiste após os primeiros 5 a 10 anos, após infecção primária não tratada, a doença pode envolver meninges e vasos sanguíneos, resultando em neurossífilis meningovascular. Mais tardiamente, o cérebro e a medula espinhal podem ser acometidos, dando origem a neurossífilis parenquimatosa.
A sífilis primária é caracterizada pelo desenvolvimento de lesão única, ulcerada e indolor, chamada de cancro duro ou protossifiloma, no sítio da inoculação, após um período de incubação de 3 a 6 semanas. A lesão tem bordas laminadas e induradas, fundo limpo e liso é altamente contagiosa. Tratada ou não, a lesão desaparecerá em 3 a 12 semanas com provável fibrose residual.
Sífilis secundária usualmente se desenvolve 4 a 10 semanas após o aparecimento do cancro primário. Durante esse estágio, as espiroquetas se multiplicam, e entram na circulação pela corrente sanguínea, correspondendo a fase de disseminação hematogênica da espiroqueta pelo corpo. As lesões secundárias são muito variáveis em suas manifestações. Sintomas sistêmicos incluem febre, moleza, mialgia, artralgia, linfadenopatia e rash.
Lesões mucocutâneas generalizadas são observadas por todo corpo, e podem envolver palmas, plantas e mucosas orais. Na maioria das vezes as lesões são maculares, eritematosas, discretas, mas podem ser pustulosas, anulares ou descamativas. Todas as lesões contêm treponemas, e as leões de mucosas contém carga mais alta.
Pode apresentar-se sob a forma de:
-roséola sifilítica: máculas eritematosas semelhantes a um rash morbiliforme, que desaparece espontaneamente.
-pápulas: eritamatosas, pálidas distribuídas pelo corpo, com discreta descamação na periferia, chamado “colarete de Biet”. Em alguns casos, a descamação pode ser mais intensa, adquirindo aspecto psoriasiforme.
-lesões palmo-plantares eritematosas com a descamação característica de Biet.
-sifílide elegante: típica de negros, onde as lesões adquirem aspecto anular ou circinado.
-condiloma plano ou latum são lesões esbranquiçadas, altamente infecciosas, que se desenvolvem em locais quentes e úmidos, especialmente região inguinal.
-placas mucosas: lesões vegetantes, esbranquiçadas em mucosa oral, sobre base erosada.
-alopecia em “clareira”: se apresenta por perda desigual dos cabelos, tipo “ninho de rato” ou “roído de traças”, mais acentuada em região temporoparietal e occipital. Pode ocorrer perda de cílios e perda no terço distal das sobrancelhas.
A fase secundária evolui no primeiro e segundo ano da doença com novos surtos que regridem espontaneamente entremeados por períodos de latência cada vez mais duradouros.
Durante a sífilis secundária, a reação imune está no pico e os títulos de anticorpos já estão elevados.
Sífilis latente surge após as lesões da sífilis secundária terem se resolvido, apesar da sorologia permanecer positiva. A maioria dos pacientes se manterá na fase latente de forma assintomática, enquanto cerca de 30% evoluirão para sífilis terciária.
Sifilis terciária é rara e quando ocorre, afeta principalmente pele, sistema cardiovascular (80 a 85%) e sistema nervoso central (10 a 15%). Pode apresentar-se como sífilis gomosa, túbero-circinada, neurossifilis ou sífilis cardiovascular.
A sífilis gomosa é caracterizada por lesões granulomatosas, chamadas “gomas”, caracterizadas por centro necrosado e textura semelhante a borracha. Podem afetar qualquer órgão, principalmente fígado, ossos e testículos. Raramente treponemas são identificados nessas lesões e o que caracteriza essa fase, é a ausência quase total de treponemas.
Sifilis cardiovascular, surge pelo menos 10 a 30 anos após a infecção primária. As manifestações mais comuns são aneurismas de aorta ascendente pela destruição inflamatória crônica da vasa vasorum.
Já a neurossífilis, ocorre pela invasão do sistema nervoso central pelas espiroquetas, gerando um quadro inflamatório de meningite. A meningite sifilítica é a manifestação nervosa mais precoce, podendo surgir até 6 meses após a infecção primária, mas desaparece em mais 70% dos casos, mesmo sem tratamento. É chamada neurossífilis assintomática quando apresenta alterações unicamente no líquor, sem sintoma algum, podendo ou não evoluir para um quadro de neurossífilis na fase terciária. O líquor evidencia hiperproteinemia, consumo de glicose, aumento de linfócitos e sua sorologia é positiva. A neurosífilis pode se apresentar também na forma parenquimatosa, podendo dar origem ao tabes dorsalis, que envolve as colunas posteriores e raízes dorsais da medula espinhal. O resultado é marcha com base alargada, e propriocepção sensitiva e vibratória prejudicadas. A agressão pode progredir e gerar até uma paralisia geral.
DIAGNÓSTICO: Na fase primária o diagnóstico só pode ser confirmado por exame direto: pesquisa de campo escuro (exame direto da linfa da lesão que deve visualizar o treponema vivo) ou imunoflorescência direta, com sensibilidade maior que 90%.
A utilização da sorologia só pode ser feita a partir da segunda ou terceira semana após o aparecimento do cancro, época de aparecimento dos anticorpos.
O treponema induz formação de 2 tipos de anticorpos: anticorpos inespecíficos contra as cardiolipinas, que positivam os testes não treponêmicos, utilizados para rastreio.
E formação de anticorpos específicos contra o Treponema pallidum, utilizados para confirmação diagnóstica.
-Testes não treponêmicos (VDRL e RPR): Positivam 2 a 3 semanas após o aparecimento do cancro, estando muitas vezes negativos na fase primária. Na sífilis secundária, seus títulos estão elevados, voltando a cair na fase latente e terciária com o passar do tempo. Como não são específicos para o treponema, outras coisas condições podem positivar o VDRL, como gravidez, hansen, tuberculose, mononucleose, lúpus, dentre outras. Os títulos nessas situações normalmente são baixos, nos casos de sífilis usualmente maiores que 1/16.
Em raros casos (1 a 2%), em que os títulos de anticoporpos estão extremamente elevados na sífilis secundária, pode haver resultado falso-negativo do teste, chamado efeito prozona. Nesses casos, o resultado é corrigido diluindo-se o soro do paciente.
Uma nova opção de sorologia não treponêmica mais rápida que o VDRL é o RPR, que possibilita resultado em até 60 minutos, dispensando os equipamentos convencionais de laboratório, mas não tão quantificável como o VDRL, que tem ótima finalidade para controle de cura pela variação dos títulos de anticorpos.
-Testes treponêmicos (FTA-ABS, TPHA, MHA-TP e Western blot): São utilizados para confirmação e para os casos que os testes não treponêmicos tem baixa sensibilidade, em especial nos casos de sífilis latente e terciária.
Positivam um pouco antes do testes não treponêmicos e podem permanecem assim pelo resto da vida.
LCR deve ser solicitado a todo paciente que tenha sorologia positiva e sintomas neurais ou que após tratamento correto mantenha títulos elevados. Nenhum teste sorológico porém é capaz de confirmar a neurossífilis. Deve ser suspeitada em pacientes com sorologia positiva e LCR com aumento de proteínas e celularidade. VDRL é o exame recomendado par ser feito no líquors.
TRATAMENTO:
A sífilis primária deve ser tratada com penicilina benzatina 2.400.000UI intramuscular profunda dose única.
Sífilis secundária ou latente recente (menos de 1 ano) deve ser tratada com penicilina benzatina 4.800.000UI, dividida em 2 doses de 2.400.000UI com intervalo semanal.
Para os casos de sífilis terciária, latente tardia (mais de 1 ano) ou latente de tempo desconhecido o tratamento deve ser com penicilina benzatina 7.200.000, dividida em 3 doses de 2.400.000 semanais.
Os casos de neurossífilis devem ser tratados com penicilina cristalina de 3 a 4.000.0000UI endovenosa de 4/4 horas por 10 a 14 dias.
Em casos de alergia, deve ser tentada a dessensibilização com penicilina V oral, ou drogas alternativas como doxiclina 100mg/dia, tetraciclina e estearato de eritromicina por 15 dias na sífilis recente e 30 dias na sífilis tardia.
Para as grávidas só a penicilina é eficaz.