Penfigóide Bolhoso
É uma doença bolhosa com envolvimento imunológico, típica do idoso, caracterizada por ter início com prurido, lesões eritematosas e urticariformes que depois evoluem para bolhas tensas.
Epidemiologia e etiopatogenia: Não há preferência por raça ou sexo. Acomete indivíduos idosos principalmente a partir dos 60 anos, mas há casos relatados em crianças. Sua incidência é de 6-7 casos/milhão de pessoas ao ano. O risco de desenvolver o penfigóide bolhoso (PB) aumenta com a idade e é maior nos homens. Sua etiologia não é bem esclarecida. Sabe-se que pode ser induzido por drogas como furosemida, penicilamina, amoxilina, ciprofloxacin, captopril, antipsicóticos e antagonistas da aldosterona. Fatores físicos como irritação local, luz ultravioleta, PUVA e radioterapia podem induzir ou exacerbar o penfigóide bolhoso. Doenças associadas ao PB como diabetes mellitus, artrite reumatóide e colite ulcerativa têm sido relatadas. A associação com malignidade provavelmente associa-se à idade avançada dos pacientes, mas a procura por um tumor maligno deve ser feita quando houver manifestações sistêmicas ou o quadro surgir em pessoa de meia-idade. Há associação com o HLA-DQB1*0301 nos caucasianos.
O PB é um dos melhores modelos das doenças auto-imunes. Ocorre uma ligação antígeno-anticorpo com a participação do complemento para que ocorra a formação da bolha subepidérmica. Os dois principais antígenos do PB são o BP180 e BP230, os quais são associados com os hemidesmossomos dos ceratinócitos basais. O BP180 ou BPAG2 ou colágeno tipo XVII é uma glicoproteína transmembrana que, atravessando a membrana se deposita na porção superior da lâmina lúcida, enquanto o BP230 ou BPAG1 é intracelular. Os anticorpos presentes são predominantemente IgG (IgG1 e, principalmente IgG4), embora ocasionalmente IgA possa ser detectada. Somente o isotipo IgG1 fixa complemento, sendo este último necessário para a formação da bolha em camundongos. O complemento é ativado pelas vias clássica e alternada. Células inflamatórias como eosinófilos e mastócitos têm papel importante na formação da bolha com a liberação de proteases como a metaloproteinase-9. Os pacientes com o HLA-DQB1*0301, o qual é prevalente no PB, desenvolvem uma resposta autorreativa de células T tipo CD4+ ao BPAG2 produzindo citocinas Th1 e, principalmente, Th2 (IL-4, IL-5, IL-13) que são relevantes na patogênese do PB. Essas citocinas regulam a secreção de auto-anticorpos anti-BP180 da subclasse Ig4. Todos os dados sugerem que a formação da bolha se dá através da fixação dos auto-anticorpos aos antígenos penfigóides, principalmente o BPAG2, com ativação do complemento, ocorrendo atração de leucócitos, degranulação de mastócitos e liberação de mediadores inflamatórios que, por sua vez, liberam proteases que clivam os alvos antigênicos com perda dos filamentos de ancoragem, hemidesmossomos, fragmentação e perda da lâmina densa, resultando na formação da bolha.
Manifestações clínicas: As lesões geralmente surgem como um rash inespecífico que pode ser urticariforme ou eczematoso, acompanhado de prurido moderado a intenso, mas nem sempre presente. As mesmas se modificam com a formação de bolhas generalizadas que têm predileção pelas superfícies de flexão. As bolhas são grandes (1-4cm), tensas, com conteúdo claro e às vezes hemorrágico. O sinal de Nikolsky é negativo. A ruptura das mesmas pode levar a erosões que mostram boa tendência para reepitelização mas, um eritema local persistente ou hiperpigmentação podem ocorrer. Mília pode ser vista durante a fase de cicatrização.
As mucosas podem ser acometidas (10-35%), porém menos freqüentemente que no pênfigo vulgar e geralmente com confinação à mucosa oral (24%).
Formas menos comuns do penfigóide bolhoso são representadas pelas formas localizadas, que acometem 5 a 30% dos pacientes, sendo mais habituais nos membros inferiores, mas que podem se disseminar; pelo penfigóide nodular, onde as lesões são nódulos que sugerem o prurigo nodular e raramente evidencia bolhas. Outras variantes são as formas oral, vegetante disidrosiforme, vesicular, eritrodérmica, vulvar e o líquen plano penfigóide. Não esquecer o penfigóide gestacional, visto mais adiante.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com os pênfigos (bolhas flácidas), dermatite herpetiforme, erupções por drogas, LES bolhoso, sendo que será mais difícil com a epidermólise bolhosa adquirida, o penfigóide cicatricial e a dermatose por IgA linear.
O tempo de duração da doença é usualmente de 3 a 6 anos, variando de 9 semanas a 17 anos, geralmente com remissão completa com o tratamento. O grau de remissão é de 30% em 2 anos e de 50% em 3 anos. Se não tratada pode tornar-se crônica, com curso limitado, e em raros casos, principalmente em idosos, pode tornar-se fatal em 15-20% dos casos.
Diagnóstico laboratorial:
Imunofluorescência direta:É positiva em alta percentagem de pacientes, mesmo após o início do tratamento. A área de eleição para a biópsia é a pele inflamada próxima a uma bolha (até 2 cm) onde são observados depósitos de IgG (90% dos casos) e C3 (100% dos casos), com padrão linear na ZMB. Outras imunoglobulinas podem ser encontradas como IgA e IgM, mas sem valor para o diagnóstico. A separação dermo-epidérmica in vitro com NaCl (Split-skin) ajuda na diferenciação entre o penfigóide bolhoso e a epidermólise bolhosa adquirida. No primeiro, a fluorescência ocorre no teto da bolha e no segundo no assoalho da bolha.
Imunofluorescência indireta: Em cerca de 70% dos indivíduos acometidos podemos encontrar IgG. Os níveis séricos dos auto-anticorpos anti BP180 IgG e IgE correlacionam-se com a severidade da doença.
Histopatológico. É vista uma bolha subepidérmica, onde a epiderme é o teto. As bolhas e a derme contêm numerosos eosinófilos e poucos neutrófilos.
Ocorre eosinofilia em 50% dos pacientes. Há elevação da IgE sérica em 85% deles, correlacionada com a presença de prurido.
Tratamento: O principal objetivo é a supressão da dermatose com o mínimo necessário de drogas, principalmente por conta da idade dos pacientes acometidos. Nas formas localizadas pode haver resposta somente com corticóides tópicos potentes. Nas formas disseminadas faz-se o uso de prednisona (0,75-1mg/Kg/dia em 2 doses diárias). Muitos pacientes estão controlados com 28 dias, quando então a dose deve ser diminuída. Aos 3 meses 0,5mg/Kg/dia e aos 6 meses 0,2mg/Kg/dia. Quando a dose alcança 10mg/dia, reduz-se 1mg por mês. Recentemente, tem existido relatos da associação da nicotinamida (1,5-2,5g/dia) com tetraciclinas (2g/dia), eritromicina (1-2,5g/dia) ou minociclina (200mg/dia) aos corticóides, com boas respostas, em vez de azatioprina. Lembrar que o uso da azatioprina em pacientes jovens aumenta o risco do surgimento de neoplasias malignas. Uma pequena percentagem de pacientes, com infiltrado de neutrófilos nas lesões ou envolvimento de mucosas, parece responder a dapsona ou sulfametoxipiridazina, mas efeitos adversos, principalmente hemólise e metahemoglobulinemia, podem ocorrer.