Púrpura de Henoch-Schonlein
A púrpura de Henoch-Schönlein é um distúrbio agudo de IgA, caracterizado por uma vasculite generalizada envolvendo os pequenos vasos da pele, trato gastrointestinal, rins, articulações e, mais raramente, pulmões e sistema nervoso central.
Epidemiologia. É a forma mais comum de vasculite sistêmica em crianças, que ocorre com maior frequência entre as idades de 3 e 15 anos e predomínio no sexo masculino. Aproximadamente metade dos casos é precedida por uma infecção do trato respiratório superior, especialmente aquelas causadas por Streptococcus. Outros agentes infecciosos, vacinas e picadas de insetos também foram implicados como possíveis gatilhos para a doença.
Patogênese. O achado característico é uma vasculite leucocitoclástica, acompanhada por imunocomplexos IgA nos órgãos afetados. Biópsias de pele das lesões purpúricas demonstram o envolvimento de pequenos vasos (principalmente vênulas pós-capilares) dentro da derme papilar. Os tipos de células predominantes dentro do infiltrado inflamatório são neutrófilos e monócitos. Os estudos de imunofluorescência mostram IgA, C3 e deposição de fibrina dentro das paredes dos vasos envolvidos, bem como nas células endoteliais e mesangiais do rim.
Manifestações clínicas. A doença é caracterizada por uma série de manifestações clínicas, apresentando o critério obrigatório: púrpura (geralmente palpável) ou petéquias, com predomínio do membro inferior e sem trombocitopenia ou coagulopatia. Além disso, os pacientes também devem apresentar um ou mais dos seguintes critérios:
– Dor abdominal (geralmente difusa, com início agudo)
– Artrite ou artralgia (início agudo)
– Envolvimento renal (proteinúria, hematúria)
– Vasculite leucocitoclástica ou glomerulonefrite proliferativa, com deposição predominante de IgA.
Essas manifestações clínicas podem se desenvolver ao longo de dias ou semanas, variando de acordo com a ordem de apresentação. Púrpura e dor nas articulações são geralmente os sintomas iniciais. A erupção cutânea é o sinal inicial em aproximadamente 3/4 dos pacientes. Muitas vezes começa com pápulas eritematosas, maculares ou urticárias, que evoluem para equimoses típicas, petéquias e púrpura palpável. A erupção pode apresentar prurido, mas raramente é dolorosa. São distribuídas simetricamente e localizadas principalmente em áreas de pressão, como as extremidades inferiores e nádegas, já envolvimento do rosto, tronco e extremidades superiores é mais comum em crianças que ainda não deambulam.
A artrite é geralmente transitória ou migratória, tipicamente oligoarticular e não deformadora. Geralmente, afeta as grandes articulações dos membros inferiores (quadris, joelhos e tornozelos) ou, menos comumente, as extremidades superiores (cotovelos, punhos e mãos). Frequentemente há edema e sensibilidade periarticular proeminentes, mas geralmente sem derrame articular, eritema ou calor.
Os sintomas gastrointestinais ocorrem em aproximadamente 50% das crianças com a doença e variam de leve (náuseas, vômitos, dor abdominal e íleo paralítico transitório) a achados mais significativos (hemorragia gastrointestinal, isquemia e necrose intestinal, intussuscepção, e perfuração do intestino).
O envolvimento renal é relatado em 20 a 54% das crianças. A apresentação mais comum é hematúria com ou sem cilindros eritrocitários e proteinúria leve ou ausente.
Pacientes adultos com a patologia apresentam manifestações clínicas similares àquelas que ocorrem em crianças. Porém, com duas diferenças principais: A intussuscepção é rara, e risco aumentado para envolvimento renal significativo, incluindo doença renal terminal.
Diagnóstico. O diagnóstico é tipicamente baseado em manifestações clínicas da doença, sendo simples quando os pacientes apresentam os sinais e sintomas clássicos. No entanto, a erupção cutânea clássica não é o sinal inicial em aproximadamente 1/4 dos indivíduos afetados. Em pacientes com apresentações incompletas ou incomuns, a biópsia de um órgão afetado (por exemplo, pele ou rim) evidenciando vasculite leucocitoclástica com deposição de IgA confirma o diagnóstico.
Diagnóstico diferencial. As petéquias e erupções purpúricas podem estar associadas à septicemia, trombocitopenia imune (PTI), síndrome hemolítico-urêmica, leucemia e coagulopatias (hemofilia).
Até que um paciente desenvolva a púrpura clássica, outras causas de artralgia devem ser consideradas, incluindo doenças autoimunes (LES, Artrite Idiopática Juvenil, Febre reumática), artrite séptica ou reativa e sinovite tóxica .
Atenção para diferenciação de emergências abdominais agudas, como a apendicite naqueles pacientes que iniciam o quadro com dor abdominal importante.
Tratamento. Atualmente, não existe terapia para diminuir a duração da doença. Por isso, o tratamento consiste principalmente de suporte na maioria dos casos, já que é uma doença autolimitada.
O manejo inclui hidratação adequada, descontinuação imediata de qualquer exposição a estímulos antigênicos e acompanhamento a cada semana no primeiro mês, a cada duas semanas no segundo mês e mensalmente até que os achados anormais desapareçam.
O tratamento sintomático para dor abdominal e articular inclui o uso de drogas anti-inflamatórias não-esteroidais (AINEs). Sugere-se o uso de naproxeno 10 a 20 mg/kg dividido em duas doses por dia, já em adolescentes e adultos, uma dose diária total máxima de 1500 mg pode ser usada por alguns dias. Para pacientes com sintomas significativos o suficiente para afetar ingestão oral, interferir na capacidade de deambular e realizar atividades diárias opta-se por prednisona (1 a 2 mg/kg/dia – dose máxima de 60-80 mg/dia).