Melanoma
O melanoma maligno (MM) resulta da transformação maligna de melanócitos, em geral de localização primária na epiderme, podendo, ocasionalmente, surgir em outras áreas como mucosas, olhos ou leptomeninges. Representam 3% dos tumores malignos epiteliais.
Epidemiologia: Nas três últimas décadas houve aumento da incidência e da mortalidade por melanoma em todo o mundo. Nos Estados Unidos, a incidência tem aumentado 4% a 6% a cada ano, com 34.000 casos novos diagnosticados, resultando em cerca de 6.500 mortes ou uma vítima a cada oitenta minutos. A incidência de melanoma varia entre as diversas populações do mundo. No Japão corresponde a 0,2 por 100.000, enquanto em Queensland, na Austrália, atinge 40 por 100.000. No Brasil a taxa de incidência para ambos os sexos é de 4 por 100.000. As populações brancas, tanto de homens como de mulheres, são mais afetadas, como constatado na Austrália, Hawai e Califórnia. As populações asiáticas, experimentam taxas mais baixas. A incidência é mais alta nas populações que residem mais perto da linha do equador, o que indica uma correlação positiva com a exposição solar. Nos Estados Unidos, a mortalidade por MM representa 1 a 2% de todas as mortes por câncer, tendo aumentado 35,2% entre 1973 e 1991, sendo superada somente por aquela do câncer de pulmão em mulheres.
As taxas de sobrevida para melanoma subiram continuamente no transcorrer das duas últimas décadas, tanto em homens quanto em mulheres. Embora o diagnóstico mais precoce e o maior conhecimento possam explicar parte da mudança nas taxas, ainda é possível admitir que tenha ocorrido um aumento real na incidência de melanoma e, conseqüentemente, na mortalidade.
O paciente típico é uma mulher branca entre 30 e 50 anos com uma lesão pigmentada crescente nas pernas que não se expõe regularmente a luz do dia, mas 2 vezes ao ano tem se exposto ao sol durante as férias em áreas de alta intensidade de radiação UV. Nos homens, o dorso é o sítio mais afetado. É extremamente raro em crianças.
Etiologia: Vários fatores, isolados ou em interação com o meio ambiente, parecem implicados na etiopatogenia do melanoma. Sabe-se que existe uma incidência mais alta dessa neoplasia em certas famílias, visto que entre 2 a 5% dos pacientes com melanoma têm história de doença na família. Por outro lado, pessoas com pele branca, olhos azuis, cabelos louros ou ruivos, correm maior risco para o desenvolvimento de melanoma. Dados epidemiológicos sugerem evidência indireta da participação da exposição solar na etiologia do melanoma. Tais dados indicam uma correlação do melanoma com a latitude e radiação UVB medida, significando que a incidência aumenta à medida que aumenta a latitude. Além disso, existe uma modificação da incidência relacionada com a migração, ou seja, os imigrantes que vão de áreas de baixa incidência para regiões ensolaradas apresentam risco aumentado que depende do período transcorrido nesse clima.
Vários estudos mostram uma associação constante entre queimadura solar e aumento do risco de melanoma. A exposição intermitente, comum em atividades recreacionais, constitui fator de risco específico para melanoma. Os resultados mostram sistematicamente um maior risco com o aumento do número de episódios de queimaduras solares com bolhas. Também é provável que quando tais queimaduras ocorrem na segunda infância são mais perigosas do que aquelas sofridas nas fases subseqüentes da vida.
Em vários estudos, o número de nevos melanocíticos de qualquer tipo, muito mais que o seu tamanho, esteve relacionado com o risco de melanoma. A presença de nevos atípicos (displásicos) com bordas irregulares e pigmentação irregular ou inflamação, está associada a maior risco do tumor.
Outros fatores têm sido implicados como agentes etiológicos potenciais para melanoma. Estudos de genética molecular sugerem que pelo menos uma região do braço curto do cromossomo 9 pode estar envolvido no melanoma familial. A participação de hormônios, como o estrógeno dos contraceptivos orais, é pouco provável ou inconsistente. Os traumas não parecem constituir fatores iniciadores, mas sim promotores do MM, como ocorre nas regiões acrais. Estados imunossupressivos, como receptores de transplantes ou pacientes acometidos por câncer, como o linfoma, apresentam risco aumentado para melanoma.
Lesões precursoras: A maioria dos melanomas surge em pele normal. Aceita-se que até 50% dos melanomas possam surgir em pequenos nevos pré-existentes. O maior potencial de malignização seria dos nevos melanocíticos juncionais e compostos, displásticos ou não. Seguem-se os nevos melanocíticos congênitos do tipo gigante, cujo eixo maior é superior a 20cm (risco de transformção de 2 a 28%, com média de 12%), e os nevos melanocíticos congênitos pequenos. O MM é muito raro antes da puberdade, mas quando ocorre, cerca de 50% dos casos surgem em nevos melanocíticos gigantes congênitos.
O achado semiológico mais importante para a suspeita de melanoma é o nevo que se modifica, variando de tamanho, forma, cor, ou que apresenta prurido, sangramento ou ulceração. Um sinal de grande importância é o derrame de pigmento além das margens da lesão, chamado sinal de Hutchinson.
Classificação: A classificação dos melanomas é baseada essencialmente no conceito de progressão do tumor. Devem ser considerados dois tipos de crescimento: o horizontal ou radial, com expansão em superfície, e overtical, mais grave, que se expande em profundidade.
Do ponto de vista clínico-histológico, distinguem-se quatro subtipos principais de melanoma cutâneo primário: melanoma expansivo superficial, melanoma nodular, melanoma do lentigo maligno e melanoma lentiginoso das extremidades ou acral. Com exceção do melanoma nodular, os demais caracterizam-se por uma fase in situ precedente, chamada de fase intra-epitelial de crescimento radial.
Melanoma expansivo superficial
O melanoma expansivo superficial é o subtipo mais comum (70%), podendo ocorrer em qualquer parte do corpo, sendo, no entanto, mais comum nas extremidades inferiores em mulheres e no dorso em ambos os sexos. Ocorre mais na quarta e quinta décadas da vida. É o que guarda maior relação com lesões névicas precursoras. A lesão é achatada, com bordas assimétricas e irregulares, medindo cerca 0,5cm de diâmetro. Só surgem nódulos em lesões maiores de 2,5cm de diâmetro. A característica clínica mais relevante é a combinação de cores de diferentes tonalidades do castanho ao preto-acinzentado, róseo ou áreas de despigmentação branca. O melanoma expansivo superficial é caracterizado histologicamente pela proliferação intraepidérmica de melanócitos atípicos que lembram as células de Paget e pela presença de focos invadindo a derme.
Melanoma nodular
É o segundo subtipo mais comum, ocorrendo em 15% a 30% dos pacientes. Entre os homens, localiza-se mais comumente no tronco, enquanto nas mulheres é mais comum nas pernas. Mede em torno de 1 a 2cm de diâmetro e predomina na quinta década de vida. Clinicamente a lesão se manifesta como uma pápula ou como um nódulo circunscrito, de cor castanho-escura a preta, podendo apresentar ulceração e sangramento. Ocasionalmente pode ser amelanótico ou pedunculado. Como característica histológica, exibe massa de células tumorais na derme e até mesmo na hipoderme, o que identifica a fase de crescimento vertical.
Melanoma lentigo maligno
O melanoma lentigo maligno é responsável por 4 a 10% dos melanomas cutâneos e ocorre em áreas expostas da face, pescoço e dorso das mãos de pacientes idosos (média de 65 anos). A lesão in situ precursora, lentigo maligno, está presente quase sempre por mais de 10 anos e alcança grande tamanho (3 a 6cm) antes de ocorrer a progressão para melanoma. Nesta fase precursora, a lesão pode também ser chamada de sarda melanótica de Hutchinson ou melanose pré-maligna de Dubreuilh. O melanoma lentigo maligno aparece como mácula de bordas irregulares e cor variando do castanho ao preto com áreas hipopigmentadas. Pápulas escuras ou nódulos estão presentes na superfície.
Histologicamente ocorre pleomorfismo celular com hiperplasia de melanócitos atípicos ao longo da junção dermo-epidérmica. Na área de nódulos clinicamente evidentes, melanócitos malignos invadem a derme em forma de ninhos.
Melanoma lentiginoso das extremidades (Acral): O melanoma lentiginoso das extremidades é o menos comum (2% a 8%) entre os caucasianos, mas é responsável por 35% a 90% dos melanomas em afro-americanos, asiáticos e hispânicos. Compromete extremidades digitais, regiões peri e subungueal e palmo-plantares. Ocorre em idosos e a lesão é clinicamente caracterizada por mancha medindo cerca de 3,0 cm, com margens irregulares e coloração variada. Pápulas ou nódulos estão freqüentemente presentes. O aparecimento rápido de pigmentação ungueal difusa ou faixa longitudinal escura na lâmina ungueal, justifica a realização de biópsia da matriz ungueal para afastar melanoma. À histopatologia mostra proliferação de melanócitos com atipia nuclear, sobretudo na região basal. A fase de crescimento vertical é composta por uma variedade de tipos celulares.
Outras variedades de melanoma: Outras variedades de melanoma incluem o melanoma de mucosa (oral, anal, uretral, vaginal), do globo ocular (coróide) e, eventualmente, de outras regiões (bexiga, nervos periféricos, leptomeninges, pulmões, parótida e outros). São descritos ainda o melanoma desmoplásico e neurotrópico, o melanoma nevóide oude desvio mínimo, o nevo azul maligno, o melanoma amelanótico e omelanoma maligno de partes moles.
Os melanomas são tumores de grande potencial metastático. Podem se manifestar como recorrência local, metástase regional e metástases à distância. Propaga-se mais comumente para locais não viscerais como pele, subcutâneo e linfonodos à distância. Metástases viscerais ocorrem por via hemática ou linfática para os pulmões (1% a 36%), fígado (14% a 20%), cérebro (12% a 20%), ossos (11% a 17%) e intestino delgado (1% a 7%).
Diagnóstico: O diagnóstico clínico de melanoma pode ser difícil, especialmente em lesões precoces. O aspecto clínico da lesão associado a uma história de alterações recentes em semanas ou meses, representa a chave para o diagnóstico. Manchas ou nódulos de crescimento rápido ou mudanças em nevos clinicamente atípicos, como aumento de tamanho, alteração na cor, bordas irregulares, são altamente sugestivos de melanoma. Elevação, sangramento e ulceração são sinais precoces de tumor invasivo. Como regra para o reconhecimento de lesões potencialmente suspeitas, destaca-se cinco características clínicas importantes (ABCDE): A = assimetria da lesão; B = bordas irregulares; C = cor variada; D = diâmetro com tendência a ser maior que 6 mm; E = elevação. Essa regra é melhor aplicada à fase de crescimento radial do tumor, podendo ser incompleta no melanoma nodular.
Na década de 90 foi descrita uma técnica in vivo para a visualização de estruturas anatômicas em lesões pigmentadas, chamada microscopia de superfície (epiluminescente ou dermatoscopia). Tal técnica tem se mostrado útil na distinção entre lesões pigmentadas não melanocíticas (hemangioma, queratoses seborréicas) e melanoma.
Uma biópsia deve ser realizada se há qualquer suspeita de melanoma. Embora não haja evidência de que a biópsia parcial (punch ou incisão) modifique o prognóstico, recomenda-se que seja excisional (total), sempre que possível. No caso de biópsia incisional, deve-se considerar a lesão mais elevada (espessa) ou mais pigmentada, quando plana, para retirar a amostra. Uma biópsia apropriada é necessária para se estabelecer um diagnóstico seguro, estimar o prognóstico e estabelecer um plano terapêutico racional. Em casos duvidosos, a imunohistoquímica pode auxiliar o diagnóstico (proteína S-100 e HMB 45).
Diagnóstico diferencial: Várias lesões benignas e malignas podem lembrar melanoma, como lesões vasculares tipo lagos venosos (lábios), hemangiomas trombosados, angioqueratomas, tumor glômico, sarcoma de Kaposi, granuloma piogênico e hematoma traumático (subungueal), além de lesões pigmentadas como nevos melanocíticos, queratoses seborréicas, carcinoma basocelular pigmentado, histiocitomas e lentigos (idosos).
Prognóstico: Avanço significativo em relação ao prognóstico foi alcançado a partir do desenvolvimento do microestadiamento, na forma de determinação do nível anatômico de invasão da pele (Clark) ou através da medida da espessura (profundidade) do tumor (Breslow).
Os níveis anatômicos de invasão (Clark) são em número de cinco, fundamentados em pontos de referência anatômicos. O nível I corresponde à proliferação intraepidérmica do melanoma, sem invasão – melanoma in situ. O nível II é a infiltração de células isoladas ou em ninhos na derme papilar. O nível III significa melanoma ocupando a derme papilar, atingindo o limite derme papilar – derme reticular, sem invadir, porém, a derme reticular. No nível IV, é clara a extensão das células tumorais dentro da derme reticular. No nível V há invasão da gordura subcutânea.
CLARK
A profundidade linear de invasão (Breslow) é a medida em milímetros (espessura) desde a camada granulosa da epiderme até a célula tumoral mais profunda.
Classicamente, as lesões com Breslow de menos de 0,76 mm são consideradas de baixo risco de metástase e virtualmente curáveis pela cirurgia. Ainda é melhor marcador prognóstico. Na espessura de 0,76 mm a 1,5 mm são consideradas de risco baixo a intermediário e estão associadas a início da fase de crescimento vertical. As lesões com mais de 1,5 mm são consideradas de risco intermediário a alto. As lesões em fase de crescimento radial ou horizontal são curáveis pela excisão cirúrgica e as lesões na fase de crescimento vertical implicam em risco de metástases, que aumenta seqüencialmente com a progressão da profundidade de invasão.
BRESLOW
O índice mitótico é outro marcador prognóstico que também deve ser avaliado, pois é uma das variáveis consideráveis na determinação da pesquisa do linfonodo sentinela. O ideal é um índice mitótico de 0, o que indica ausência de células replicativas. Um índice mitótico entre 1 e 5, reperesntam risco moderado, mas semelhantes. Enquanto um índice maior ou que 6, representa alto risco.
Outras variáveis clínicas e histopatológicas podem alterar o prognóstico, como idade, sexo, local anatômico do tumor primário, ulceração, resposta linfocítica, presença de regressão, tipo histopatológico e comprometimento microscópico dos linfonodos pelo tumor.
Tratamento: A conduta terapêutica para o melanoma está fundamentada no estadiamento da neoplasia, de acordo com o sistema proposto pela American Joint Comission on Cancer (AJCC, 1992), que utiliza a informação prognóstica pelo microestadiamento da lesão primária e a presença ou ausência de metástases regionais ou à distância. Os estádios I e II representam doença localizada; o estádio III significa doença nos linfonodos e/ou metástases em trânsito. O estádio IV representa quadro de metástases à distância.
Tratamento no estádio I e II (pT1 N0M0 e pT4 N0M0)
Em caso de melanoma in situ, a excisão cirúrgica com margem de 0,5cm é satisfatória. Para lesões com 1mm ou menos de espessura, margem de 1cm; lesões com 1 a 4mm de espessura é adequada a margem de 2cm e no caso de espessura maior que 4mm, tratar com margem superior a 2cm (comumente 3cm). A linfadenectomia eletiva é tema controverso. Não é indicada, por exemplo, nas lesões de espessura menor que 1,5mm. Avanços e esclarecimentos ocorrerão com o método do mapeamento linfático intra-operatório e a biópsia do linfonodo sentinela, ainda em fase experimental.
A pesquisa de linfonodos acometidos é importante para um bom estadiamento e tratamento efetivo da doença. Está indicada a pesquisa de linfonodo sentinela para seguintes casos: Breslow maior que 0,76, presença de ulceração, Clark 4 ou mais e/ou índice mitótico maior que 6.
Tratamento do estádio III (Qualquer pT com N+M0)
Além da linfadenectomia terapêutica, para metástases em trânsito está indicada a perfusão extracorpórea com hipertermia, quando em membros ou, na impossibilidade desta, ressecção das metástases, associada a monoquimioterapia com DITC (Dinitro Triazeno Imidazol Carboxamida).
Tratamento do estádio IV
A quimioterapia é a terapêutica de escolha. Vários medicamentos são usados, porém a dacarbazina (DITC) é a mais empregada, com respostas objetivas em cerca de 20% dos pacientes. A poliquimioterapia é usada em casos de doença visceral. Associações de três ou mais quimioterápicos apresentam resultados em torno de 45%. Outras alternativas terapêuticas em investigação são a imunoterapia (citocinas, interleucinas, interferons, vacinas, anticorpos monoclonais), terapia gênica, combinação de métodos e de novos medicamentos.