Leishmaniose
24/02/2025
LEISHMANIOSE CUTÂNEA
A leishmaniose cutânea (LC) é uma doença parasitária infeciosa crônica, transmitida pelos flebótomos, que causa lesões cutâneas ulceradas ou vegetantes na pele e mucosas. O gênero Leishmania, causador da LC, é comumente dividido entre subgênero Viannia ou Leishmania, sendo a espécie mais comum no Brasil a Leishmaniose Viannia braziliensis. O vetor predominante nas Américas pertence ao gênero Lutzomyia e a transmissão por outras vias é rara, sendo o contato direto com a lesão ativa inofensivo, pois para o desenvolvimento da infecção é necessária a inoculação do patógeno na pele, como ocorre através da picada do flebótomo.
Apesar de não possuir alta mortalidade, a LC pode levar à morbidade significativa, estigmatização e impacto psicológico considerável. Os fatores de risco podem ser divididos em socioeconômicos, ambientais e climáticos. Dentre os socioeconômicos, as condições associadas com a moradia, como a presença de janelas sem capacidade de vedação, atividades rurais com necessidade de repouso extradomiciliar, a ausência de medidas de proteção contra picadas de inseto e realização de atividades de lazer dentro da mata também tem impacto significativo. Dentre os fatores ambientais, a construção de moradias próximas a áreas de vegetação aparenta ser um fator de risco significativo, juntamente com os fatores climáticos de temperatura, pluviosidade e umidade.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA LEISHMANIOSE CUTÂNEA
A apresentação clínica da LC pode ocorrer de forma diversa a depender da espécie causadora da doença e da resposta imunológica do hospedeiro. As lesões se iniciam como pápulas no local da picada que podem permanecer por semanas a meses. As pápulas evoluem para nódulos com tendência à ulceração central. Normalmente os pacientes são assintomáticos e as lesões indolores, contrastando com a aparência clínica exuberante.
As lesões iniciais são frequentemente confundidas com furunculose e tratadas como infecção bacteriana, devendo ser feito diagnóstico diferencial com outras doenças. Os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados, a depender do contexto clínico, são: paracoccidioidomicose, histoplasmose, esporotricose, micobacterioses, cromoblastomicose, bouba, neoplasias cutâneas, ectima, sarcoidose, tularemia, miíase, antraz, sífilis terciária e reação à picada de inseto.
CLASSIFICAÇÃO
A Classificação de Marzochi (1994), utilizada pelo Ministério da saúde, subdivide a LC em: cutânea localizada, cutânea disseminada, cutânea difusa e mucosa. A forma cutânea localizada representa o acometimento primário da pele. A lesão geralmente é ulcerada, podendo ser única ou múltipla, com até 20 lesões em um mesmo segmento corporal. A presença de várias lesões nesta forma parece relacionar-se a múltiplas picadas do mosquito.
A forma cutânea disseminada é caracterizada pelo aparecimento de múltiplas lesões papulares ou acneiformes, com tendência à ulceração típica da doença, acometendo dois ou mais segmentos corporais. O número de lesões pode alcançar centenas. O envolvimento mucoso é frequente e histologicamente há pobreza dos parasitas na amostra. A intradermoreação de Montenegro (IDRM) e os testes sorológicos com detecção de anticorpos antileishmania são geralmente positivos.
Quando há presença de múltiplas lesões papulares ou nodulares sem tendência à ulceração, distantes do sítio de inoculação primário ela é classificada como forma cutânea difusa. A sorologia normalmente é positiva, a IDRM negativa e amostras histopatológicas revelam grande quantidade de parasitas, demonstrando a resposta imunológica celular deficiente. No Brasil, esta forma é causada pela L. amazonensis, constitui uma forma clínica rara e grave, com má resposta terapêutica.
A forma mucosa pode ocorrer de maneira primária, pela inoculação direta do agente no local, ou tardia, por disseminação hematogênica ou linfática de uma LC não tratada, e tem ocorrência estimada em 3-5% dos casos. Nesta normalmente pode ser visualizada uma cicatriz de lesão prévia sugestiva de LC.
A forma recidiva cútis também é considerada no Manual de vigilância em LC do Ministério da Saúde. Tal apresentação é caracterizada pelo surgimento de pápulas, descamação, tubérculos ou nódulos meses a anos após a resolução da LC. Geralmente surgem na periferia da lesão primária e tem reação exacerbada à IDRM. Essas lesões possuem um denso infiltrado inflamatório linfocítico e podem ser confundidas com tuberculose cutânea. Essa manifestação é considerada um evento infrequente, situando-se em torno de 10% dos casos de LC localizada e tem resposta terapêutica inferior à da lesão primária.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA LEISHMANIOSE CUTÂNEA
Na LC o diagnóstico laboratorial baseia-se na detecção do parasita, pesquisa de anticorpos e identificação de DNA ou RNA em amostras biológicas.
A detecção do parasita através de amostras coletadas diretamente do local da lesão. Os principais métodos incluem microscopia direta, cultura e análise histopatológica. Sua especificidade é alta, variando de 86% a 100%, entretanto possuem menor sensibilidade e consumem uma quantidade considerável de tempo devido ao fato de serem subjetivos.
Tanto o exame histopatológico quanto a cultura têm a sensibilidade ainda mais baixa que o exame direto, possuindo menor relevância no diagnóstico dessa doença, exceto quando outros métodos não estão disponíveis. Os testes sorológicos e a intradermoreação de Montenegro (IDRM) atualmente têm pouca utilidade no diagnóstico da LC.
Os testes diagnósticos baseados em reação em cadeia da polimerase (PCR) são métodos rápidos e sensíveis, além de capazes de diferenciar múltiplas espécies e cepas do patógeno. Com relação ao método de coleta, a realização do PCR em amostras de esfregaço da lesão demonstra ter alta sensibilidade e especificidade, em contrapartida, a sua realização em material obtido por métodos mais invasivos, como aspirado e biópsia da lesão, mostraram menor acurácia diagnóstica.
Tal dado favorece a simplificação da metodologia de coleta, demonstrando a possibilidade de obter um diagnóstico preciso através da combinação de coleta de swab e análise molecular. A combinação dos testes também pode ser utilizada de forma a aumentar a acurácia diagnóstica.
No Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS), usualmente são disponibilizadas as modalidades de diagnóstico baseadas em microscopia direta, cultura e exame histopatológico. Apesar de pouco sensíveis em comparação com os métodos moleculares, a positividade em qualquer um desses exames associada à clínica ou epidemiologia sugestivas de LC indica necessidade de tratamento.
TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE CUTÂNEA
O tratamento da leishmaniose nas formas cutâneas disseminada, difusa e mucosa é realizado de maneira sistêmica, com múltiplos medicamentos disponíveis, sendo o fármaco de primeira linha o antimoniato de meglumina. O tratamento de segunda linha no Brasil atualmente inclui a Anfotericina B, Pentamidina, Paromomicina e Miltefosina. Para o tratamento da forma localizada ou recidiva cútis, pode ser considerada a modalidade intralesional, que apresenta algumas vantagens sobre a terapia sistêmica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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4. Treatment options for leishmaniasisPradhan S, Schwartz R, Goldust MClinical and Experimental Dermatology
5. Manual De Vigilância Da Leishmaniose TegumentarBrasil. Ministério da Saúde.