Líquen Plano
Erupção inflamatória pruriginosa onde se observam pápulas planas violáceas, poliangulares, brilhantes, com caráter recidivante, atingindo as superfícies flexoras, membranas mucosas e os anexos cutâneos. Foi descrita por Erasmus Wilson em 1869.
Epidemiologia: Trata-se de enfermidade com distribuição universal, relativamente freqüente, atingindo cerca de 1,4% dos doentes dermatológicos. A maioria dos casos atinge pessoas entre 30 e 60 anos de idade apesar de crianças poderem ser afetadas. Não há preferência por sexo ou raça.
Etiopatogenia: Os mecanismos primordiais envolvidos na patogenia do líquen plano são mediados imunologicamente. As interações entre os linfócitos e os ceratinócitos são de grande importância na patogênese das reações tissulares liquenóides, tanto pelas citocinas produzidas pelos ceratinócitos como pelo evidente epidermotropismo dos linfócitos CD4+ que chegam a representar 80% dos linfócitos observados na derme nesta afecção.
Um vírus ou outro agente desencadeante, como uma droga, se fixaria na superfície do ceratinócito, tornando-o antigênico, alterando a interpretação de histocompatibilidade pelo linfócito T. Estes ceratinócitos alterados seriam processados pelas células de Langerhans, que estão aumentadas no líquen plano, sendo então atacados pelos linfócitos CD4+ (T helper). O processo inflamatório resultante determinaria a morte do ceratinócito por apoptose, com a formação de corpos colóides, infiltrado dérmico significativo e coliquação da membrana basal. Seria um processo de linfotoxidade semelhante à erupção liquenóide observada nas reações enxerto versus hospedeiro e nas erupções liquenóides por drogas. O sistema de ancoragem epitelial está alterado no líquen plano. O fato de até 10% dos pacientes terem uma história familiar positiva, o acometimento de gêmeos monozigotos e o aumento na freqüência de HLA-B7, A3, B5, A28, DR1 e DR10 falam a favor da participação de fatores genéticos na sua patogênese.
Quadros semelhantes ao líquen plano pode surgir após o uso de certas drogas ou resultar de uma reação enxerto versus hospedeiro após transplantes de medula óssea. Há relatos da influência psicogênica sobre a enfermidade e de sua associação com lúpus eritematoso, morféia, cirrose biliar, hepatite crônica ativa e hepatite C. A hepatite deve ser considerada em pacientes com apresentação não-usual e disseminada de líquen plano.
Manifestações clínicas: Apresenta-se como pápulas aplanadas com bordos angulados irregulares, brilhantes, inicialmente eritematosas, tornando-se depois violáceas. O diâmetro das pápulas vai de 2 a 10mm e em sua superfície observam-se linhas esbranquiçadas (estrias de Wickham) que, histologicamente, correspondem a uma hipergranulose focal, sendo melhor visualizadas após umedecimento da lesão. Isoladas ou confluentes, podem se dispor em forma linear (fenômeno de Köbner) em locais de prurido intenso. O aspecto anular é mais comumente visto no dorso do pênis.
Geralmente acometem de forma simétrica as superfícies flexoras dos punhos, os tornozelos e as regiões lombares, mas outras regiões do corpo podem ser afetadas, inclusive axilas. Quando as lesões estão no terço médio das pernas e tornam-se antigas, mostram-se hipertróficas e verrucosas. As membranas mucosas são afetadas em 30-70% dos casos, particularmente a mucosa oral onde se vê finas linhas brancas com padrão reticular situadas na mucosa jugal. Lesões ulceradas orais podem ser sítio de transformação epiteliomatosa. A semimucosa labial pode estar comprometida. Apesar de raras, as lesões bolhosas podem ocorrer em quadro pré-existente ou na pele normal.
As unhas estão afetadas em 10% dos casos, principalmente as unhas das mãos. O líquen plano pode ser uma das causas da síndrome das vinte unhas. O prurido é constante podendo ser fraco ou severo, principalmente nas lesões extensas e na variedade hipertrófica. O clareamento das lesões é lento, sendo 50% nos primeiros nove meses e 85% em 18 meses, deixando muitas vezes uma hiperpigmentação residual.
Variantes clínicas:
Líquen Plano Hipertrófico: Ocorre principalmente na área pré-tibial e em torno dos tornozelos. As lesões têm aspecto verruciforme, cor púrpura e o prurido é severo, podendo durar mais de 8 anos.
Líquen Plano Folicular: Apresenta-se como pápulas de localização folicular, particularmente no couro cabeludo, podendo levar a alopecia cicatricial. Também conhecida como lichen planopilaris, esta variedade é mais vista em mulheres e pode estar relacionada com maior envolvimento ungueal e erosões de membranas mucosas.
Líquen Plano Bolhoso: Mostra bolhas subepidérmicas, devidas a severa degeneração liquefativa das células da camada basal, sobre as lesões do líquen plano. Existe uma variedade, o líquen plano penfigóide, que pode inclusive afetar a pele aparentemente normal com depósitos de IgG e C3 na base da bolha, o que o diferencia do penfigóide bolhoso onde este depósito ocorre no teto da bolha.
Líquen Plano Actínico: Ocorre nas áreas expostas como a face podendo apresentar lesões anulares, hiperpigmentadas com um halo hipocrômico, atingindo crianças e adultos jovens.
Líquen Plano Linear: Mais comum na infância, podendo atingir toda a extensão de um membro com disposição linear ou zosteriforme. Deve-se distingui-lo do nevo epitelial linear, do líquen estriado e da psoríase linear. Podem ser vistas lesões lineares múltiplas seguindo as linhas de Blaschko.
Líquen Plano Palmar e Plantar: Apresenta disposição laminar ou puntata de coloração amarelada, ceratósica e quando na região plantar pode ulcerar. Nas lesões isoladas pode ser confundido com verruga, calosidade, sífilis secundária e psoríase.
Líquen plano anular: Quando observam-se apenas poucas e largas lesões anulares, havendo discreto centro atrófico. Nos homens é visto tipicamente no pênis.
Líquen plano de membranas mucosas: As lesões são vistas somente nas mucosas, principalmente boca, em 15% dos casos. É bom lembrar que, associado às lesões cutâneas, o envolvimento das mucosas é em torno de 50%. Há a forma superficial, normalmente assintomática, onde se vê um aspecto reticulado esbranquiçado, quase sempre na língua ou mucosa jugal. Na forma erosiva ulcerações extensas podem envolver a boca, região vulvovaginal, ânus ou glande. A transformação maligna em CEC ocorre em 1,2% dos casos.
Histopatologia:É típica, com degeneração hidrópica das células da camada basal levando a formação de queratinócitos necróticos (corpos colóide), hipergranulose focal, hiperceratose ortoceratótica, acantose em “dentes de serra”, incontinência pigmentar e infiltrado linfocitário em faixa na derme. A imunofluorescência direta mostra depósitos globulares de IgM, e ocasionalmente IgG e IgA, representando queratinócitos apoptóticos. Observa-se depósito de fibrina na junção dermo-epidérmica.
Diagnóstico: Os casos característicos são de fácil diagnóstico clínico. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial principalmente com erupção liquenóide por droga, psoríase, líquen nítido, líquen estriado, verruga plana, amiloidose cutânea, eczema crônico, sífilis secundária e líquen simples crônico (neurodermite).
Tratamento: Os antihistamínicos sistêmicos como hidroxizina 10 a 25mg a cada 4 horas ou sedativos ajudam a aliviar o prurido. Os corticóides tópicos devem ser potentes como o propionato de clobetasol 0,05% ou flucinonida 0,05%. Nas formas orais o pimecrolimo e o tacrolimo têm se mostrado efetivos. Os corticosteróides sistêmicos devem ser reservados só para os casos severos, cerca de 5%, com lesões disseminadas, ulceração de membrana mucosa ou progressiva destruição ungueal na dose de 15 a 20mg/dia de prednisolona por 6 semanas com posterior redução gradual.
Na forma hipertrófica a infiltração local de corticóides é muito boa. Dapsona nas lesões orais pode ser de muita valia. A PUVA terapia e a narrow-band se mostraram satisfatórias em alguns casos. A ciclosporina pode ser usada nos regimes de baixa (1-2mg/Kg/dia) ou alta dose (3-5mg/Kg/dia) nas formas disseminadas, ulcerativa dos pés e no líquen plano pilar do couro cabeludo. A isotretinoína e o acitretin tem sido usados sistemicamente. Heparina de baixo peso molecular, enoxaparina (clexane), tem efeitos benéficos no líquen plano, em baixas doses semanais (3 mg por via subcutânea). As tetraciclinas e o metronidazol (500 mg de 12 em 12 horas por 20 a 60 dias) via oral têm mostrado bons resultados em muitos casos.