Ictiose Lamelar
01/02/2025
A Ictiose Lamelar é uma dermatose genética rara, pertencente ao grupo das ictioses congênitas, caracterizada pelo comprometimento da barreira cutânea e pela formação de escamas lamelares espessas. Essa condição é resultante de distúrbios na biossíntese dos lipídios da epiderme, levando a um acúmulo de queratina e subsequente descamação patológica da pele.
Epidemiologia. A Ictiose Lamelar é uma doença hereditária, transmitida de forma autossômica recessiva, embora casos autossômicos dominantes também tenham sido descritos. A prevalência global da doença é estimada em 1 caso para cada 300.000 indivíduos. A manifestação clínica ocorre geralmente ao nascimento ou na primeira infância, sem predileção por sexo ou etnia. As mutações no gene TGM1, localizado no cromossomo 14, são as mais comumente associadas à doença, embora outras mutações em genes envolvidos na formação da barreira cutânea também possam estar implicadas.
Fisiopatologia. A Ictiose Lamelar resulta de mutações no gene TGM1 (transglutaminase 1), uma enzima que desempenha papel crucial na formação da camada córnea da epiderme. A deficiência de TGM1 resulta no acúmulo excessiva de queratina, causando a formação de escamas espessas que comprometem a função da barreira cutânea. Além disso, a falha na estruturação dos lipídios cutâneos leva à perda excessiva de água transepidérmica.
Manifestações Clínicas. As principais características incluem:
1. Escamas lamelares espessas e grossas: as escamas são tipicamente lameladas e espessas, com aparência semelhante a "telhas" ou "lâminas". As áreas mais afetadas incluem tronco, extremidades (cotovelos, joelhos), couro cabeludo e face.
2. Pele ressecada e com fissuras: a pele apresenta extremo ressecamento, com fissuras visíveis em áreas como tornozelos, plantas e palmas. Isso pode resultar em dor e maior suscetibilidade a infecções secundárias.
3. Prurido e irritação: o prurido é comum e pode variar de leve a moderado, sendo mais intenso durante períodos de menor umidade do ar.
4. Alterações nas unhas e cabelos: em alguns pacientes, observam-se alterações nas unhas (espessamento, fragilidade) e no cabelo (fios frágeis e com aspecto seco).
5. O ectrópio e o eclábio congênitos estão frequentemente associados a essa condição. O ectrópio pode causar diversas complicações oftalmológicas, principalmente devido à exposição da córnea causada pela falta de fechamento da fenda palpebral. A exposição da córnea pode causar ulceração e até perfuração da córnea levando à phthisis bulbi.
Diagnóstico Diferencial. As principais doenças que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial incluem:
• Ictiose vulgar: Caracteriza-se por escamas mais finas e menos espessas, sem o padrão lamelar típico da Ictiose Lamelar.
• Dermatite atópica: Pode apresentar lesões secas e descamativas, mas com quadro inflamatório mais intenso e prurido acentuado.
• Psoríase: Embora também cause escamas, apresenta um padrão clínico distinto e costuma estar associada a placas eritematosas.
O diagnóstico definitivo é baseado na avaliação clínica, história familiar, e confirmação por teste genético.
Diagnóstico. O diagnóstico de Ictiose Lamelar é essencialmente clínico, sendo baseado na observação das lesões características e na história familiar. O uso de testes genéticos para mutações no gene TGM1 pode ser realizado, especialmente em casos familiares, para confirmar a presença da mutação responsável. A biópsia cutânea pode ser útil para análise histológica, demonstrando a espessamento (hiperceratose) da camada córnea, com normogranulose ou hipergranulose associadas.
Tratamento. As principais estratégias terapêuticas incluem:
1. Emolientes e hidratantes tópicos: o uso regular de cremes emolientes e hidratantes ricos em lipídios e ceramidas é fundamental para restaurar a barreira cutânea e corrigir a desidratação da pele. A aplicação deve ser realizada imediatamente após o banho, com a pele ainda úmida.
2. Retinoides tópicos: o uso de ácido salicílico e retinoides tópicos pode ajudar a remover as escamas e a promover a renovação celular, facilitando a descamação controlada. O uso de retinoides tópicos é frequentemente indicado para reduzir a hiperqueratose.
3. Retinoides orais: pode ser necessário o uso de retinoides orais, como a acitretina, que tem efeitos sobre a queratinização e pode ajudar a reduzir a espessura das escamas.
4. Cuidados com a pele: evitar o uso de sabonetes agressivos ou atrito excessivo são medidas recomendadas. Proteção solar rigorosa deve ser adotada, pois a pele ictiótica é mais susceptível a danos causados pela radiação ultravioleta.
5. Tratamento de complicações: infecções secundárias devem ser tratadas prontamente, com o uso de antibióticos tópicos ou sistêmicos, dependendo da gravidade da infecção.
Prognóstico. A Ictiose Lamelar é uma condição crônica, mas a intensidade das lesões pode diminuir com a idade, e o tratamento adequado contribui para uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes. Apesar de não haver cura definitiva, com manejo apropriado, a condição pode ser bem controlada. O impacto psicológico da doença deve ser considerado e abordado de acordo com a necessidade de cada paciente.
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