Hanseníase
É uma doença granulomatosa infecto-contagiosa, de evolução longa, causada pelo M. leprae, transmitida de pessoa para pessoa, principalmente em comunicantes de formas bacilíferas.
Epidemiologia: Representa um importante problema de saúde pública no Brasil. A prevalência de 8,8/10.000 habitantes (1996) é a mais alta entre os 16 países mais endêmicos, muito longe ainda da meta de eliminação proposta pela OMS que é menos de 1/10.000 habitantes. Os estados com as maiores prevalências são Mato Grosso, Amazonas, Roraima, Pará, Tocantins, Góias e Maranhão, todos com coeficientes considerados muito altos. As menores prevalências ocorrem no Rio Grande do Sul e Santa Catarina com menos de l/10.000, seguidos de Alagoas, Rio Grande do Norte e São Paulo, com menos de 2/10.000. Em relação à detecção, o Brasil tem um coeficiente muito alto: 2,75/10.000, sendo as regiões Norte e Centro-Oeste as mais afetadas com coeficientes de 8,35/10.000 e 6,98/10.000 respectivamente, consideradas hiperendêmicas.
Etiologia: O Mycobacterium leprae, descoberto na Noruega por Armauer Hansen em 1873, é classificado na ordem Actinomycetalis da famíliaMycobacteriaceae. É um parasita obrigatoriamente intracelular, com especial afinidade pelas células de Schwann e do sistema reticuloendotelial. Apresenta-se sob a forma de bastonete reto ou ligeiramente encurvado, medindo l,5 a 3mm de comprimento por 0,25 a 0,3mm de diâmetro, com tendência a se agrupar (globias). O M. leprae é um bacilo álcool-ácido-resistente, isto é, cora-se pela fucsina ácida e não se descora pelos ácidos e álcoois.
Modo de transmissão: As lesões na pele e na mucosa nasal de pacientes com hanseníase multibacilar são consideradas como fontes do M. leprae. A principal porta de entrada é a via respiratória. A hanseníase não é uma doença de alta infecciosidade, tendo baixa patogenicidade. Sua ocorrência ou não, está relacionada à fatores genéticos e à resposta imunológica mediada por células frente ao M. leprae.
Classificação da hanseníase: Classificação Internacional de Madri: Feita por Rabelo e proposta em 1953 por Bechelli e Rotberg no Sexto Congresso Internacional de Lepra em Madri:Tipo lepromatoso (Virchowiano), pólo maligno; Tipo tuberculóide, pólo benigno; Grupo dimorfo e Grupo indeterminado . Classificação de Ridley e Jopling: Proposta por Ridley e Jopling, em 1962, teve algumas modificações posteriormente. Por ser uma classificação mais complexa foi adotada principalmente em instituições de pesquisa e por especialistas. Esses grupos propostos foram definidos considerando aspectos clínico, bacteriológico, histopatológico e imunológico: Tuberculóide (TT) que corresponde à forma polar, benigna, estável, da Classificação de Madri:Borderline tuberculóide (BT); Borderline borderline (BB); Borderline lepromatoso (BL); Lepromatoso (LL) equivalente à forma Lepromatosa, maligna, mais agressiva na Classificação de Madri, sendo dividido em Lepra Lepromatosa polar (LLp) e Lepra Lepromatosa subpolar (LLs). Classificação para Programa de Controle: Em 1982 a OMS propôs uma classificação operacional para fins de tratamento, baseando-se nas manifestações clínicas e na baciloscopia, para ser utilizada nos programas de controle, individualizando-se as formas paucibacilares e multibacilares.
• Hanseníase paucibacilar: Clinicamente, observa-se de 1 a 5 lesões hipopigmentadas ou eritematosas, com distribuição assimétrica, perda da sensibilidade e comprometimento de um só tronco nervoso. A baciloscopia é negativa. Inclui a hanseníase indeterminada e a tuberculóide da Classificação de Madri, e a hanseníase TT da Classificação de Ridley e Jopling.
• Hanseníase multibacilar: Clinicamente, apresenta-se com mais de 5 lesões com distribuição assimétrica, perda da sensibilidade e pode haver comprometimento de vários troncos nervosos. A baciloscopia é positiva em pelo menos uma localização. Inclui a hanseníase virchowiana (lepromatosa) e a dimorfa da Classificação de Madri ou a hanseníase LL, BL, BB e alguns casos de BT da Classificação de Ridley e Jopling.
Manifestações clínicas: Envolve principalmente alterações cutâneas e neurológicas. Manifestações cutâneas: Forma indeterminada (I): Considerada forma inicial da hanseníase, pode passar desapercebida durante meses devido à discrição de seus sinais, podendo desaparecer mesmo sem tratamento. Manifesta-se como uma ou poucas máculas hipocrômicas ou eritematosas, ovaladas, de tamanho variável de 1 à 5cm de diâmetro e hipoestésicas. Às vezes, apresenta-se apenas como área hipoestésica com diminuição do suor e dos pêlos.
Forma tuberculóide (TT): Caracteriza-se por lesão tricofitóide e, por vezes, placas eritêmato-infiltradas anulares, normalmente com diâmetro não superior a 10cm e bordos de limites precisos. Geralmente é uma placa única ou em número reduzido (até 5), distribuídas de forma assimétrica. A alteração da sensibilidade está sempre presente, com hipoestesia ou anestesia e anidrose.
Forma borderline tuberculóide (BT): As placas são eritêmato-infiltradas, múltiplas, em número de 2 à 10, com distribuição assimétrica, contornos arredondados ou policíclicos, limites precisos, tamanho variável e geralmente maiores que as placas da forma TT. Hipoestesia ou anestesia sempre presente.
Forma borderline borderline (BB): Apresenta de 10 a 20 placas anulares características, infiltradas, de cor ferruginosa, com o centro da pele aparentemente normal. Os bordos externos são imprecisos e os internos nítidos, dando à lesão um aspecto foveolar ou em “queijo suiço”. Pode ou não haver hipoestesia.
Forma borderline lepromatosa (BL): Apresenta numerosas lesões, superior a 20, com distribuição simétrica e bilateral, com características das lesões anulares da forma BB e outras com aspectos de hansenomas da forma LL. A sensibilidade pode estar preservada.
Forma lepromatosa lepromatosa (LL): As lesões são numerosas, não sendo raro que sejam acima de 100, com distribuição simétrica e bilateral, com aspecto de pápulas ou nódulos eritematosos ou eritêmato-acastanhados, conhecidos como hansenomas, que podem confluir e formar grandes placas. O envolvimento difuso da face e pavilhão auricular confere o aspecto leonino. Na face também é característica a madarose (alopécia do terço externo dos supercílios). Edema com infiltração difusa das mãos e dos pés é achado freqüente. Além das alterações cutâneas a forma lepromatosa pode acometer os linfonodos, testículos, medula óssea, músculos, ossos, laringe e olhos. A complicação mais grave nos olhos é a iridociclite aguda ou crônica, que pode evoluir para cegueira.
Formas clínicas pouco freqüentes: Hanseníase de Lúcio:É uma forma rara de hanseníase virchowiana, na qual clinicamente não estão presentes hansenomas ou manchas. Existe uma infiltração difusa, lembrando o mixedema. A madarose é um dos primeiros sinais a aparecer. Descrita inicialmente no México, houve relatos de casos na América Central e América do Sul. É, também, conhecida como hanseníase “bonita”.
Hanseníase históide (Wade): Outra forma especial de hanseníase virchowiana, com aspectos clínico e histopatológico próprios. Apresenta-se com nódulos hemisféricos, endurecidos, eritematosos, com limites nítidos, sem localização preferencial. Foi descrita inicialmente em pacientes virchowianos com resistência secundária à sulfa após seu uso irregular e prolongado. Pode também ser observada como forma de manifestação inicial da doença. Histologicamente o quadro pode lembrar neurofibroma ou histiócito-fibroma, mas à coloração de Ziehl-Neelsen observam-se abundantes bacilos.
Hanseníase nodular infantil: É uma manifestação clínica da forma T, encontrada em crianças, comunicantes de formas bacilíferas. A lesão característica é comumente pápulo-nodular, localizada na face e com tendência a cura espontânea.
Manifestações neurológicas: Consistem em espessamento dos nervos acompanhado de anestesia da área inervada com posteriores distúrbios motores e troficos. Essas manifestações são precoces, como nas formas tuberculóide e borderline ou tardias, como na forma virchowiana. Os principais nervos acometidos na hanseníase são o cubital (ulnar), ciático-popliteo externo (fibular), tibial posterior, auricular (sensitivo puro), ramo cutâneo do radial, mediano, radial e ramos do facial. A maioria das incapacidades e deformidades resultam do dano neural. A lesão do nervo ulnar leva à alteração da sensibilidade, principalmente, na palma da mão (lado do 5° dedo) e compromete os movimentos de abdução e adução dos dedos, além da adução do polegar. Paresia ou paralisia da musculatura inervada pelo ulnar pode levar à garra do 4° e 5° dedos e atrofia dos músculo do 1° espaço interósseo. A lesão do nervo mediano leva à alteração da sensibilidade, principalmente, na palma da mão (lado do polegar) e dos movimentos de abdução e oponência do polegar. Paresia ou paralisia da musculatura inervada pelo nervo mediano, pode levar à garra do polegar, 2° e 3° dedos e atrofia muscular na região ulnar. O envolvimento concomitante do nervo ulnar e mediano pode levar a ocorrência da garra cúbito-mediana ou mão simiesca. A lesão do nervo radial leva à alteração da sensibilidade, principalmente, no dorso das mãos e compromete os movimentos de extensão dos dedos, particularmente o polegar, e do punho. Paresia ou paralisia da musculatura inervada pelo radial pode levar à mão caída. A lesão do nervo fibular profundo leva à alteração da sensibilidade, principalmente, da região acima do primeiro espaço metatarsiano (entre o hálux e 2° artelho) e dos movimentos de extensão do hálux, dos outros artelhos e dorsiflexão do pé. A lesão do nervo fibular superficial leva à alteração do movimento de eversão do pé. A paresia ou paralisia da musculatura inervada pelo nervo fibular pode levar ao quadro de pé caído. A lesão do nervo tibial posterior leva à alteração da sensibilidade plantar e dos movimentos de abdução e adução do hálux e dos outros artelhos, além de comprometer a flexão dos metatarsianos. Paresia ou paralisia da musculatura inervada pelo tibial posterior pode levar à garra dos artelhos. A anestesia plantar é causa importante do mal perfurante plantar. Diagnóstico: Apesar da clínica ter grande valor presuntivo para o diagnóstico, a pesquisa da sensibilidade, a baciloscopia e a histopatologia podem auxiliar na confirmação diagnóstica e permitir uma correta classificação. O teste de Mitsuda não tem valor diagnóstico, sendo positivo em 80-90% da população normal. É importante para o prognóstico e para a classificação das formas clínicas, sendo negativo na forma virchowiana, positivo na tuberculóide, negativo em 56% da forma dimorfa e positivo em 70% da forma indeterminada. Alguns pacientes podem ter uma viragem nesta reação se forem estimulados pelocorynebacterium parvum. Pesquisa da sensibilidade: Deve ser realizada na mesma seqüência em que a doença pode alterar as fibras nervosas, ou seja, inicialmente verifica-se a sensibilidade térmica, em seguida a dolorosa e por último a tátil. O paciente deverá previamente ser orientado e ver a demonstração do que será feito, para que fique tranqüilo e colabore, sem tentar adivinhar. Com os olhos fechados, a pesquisa deverá ser feita na área suspeita, fazendo-se a contraprova em área de pele normal, simetricamente oposta. A pesquisa da sensibilidade térmica é feita com 2 tubos de ensaio, um com água morna e outro com água na temperatura ambiente. A sensibilidade dolorosa é pesquisada com a ponta de uma agulha não contaminada ou ésteril, desprezando-a a seguir. Para a pesquisa da sensibilidade tátil utiliza-se o algodão.
Exame baciloscópico: É feito na linfa colhida de 4 locais, que podem ser: os lóbulo das orelhas, um dos cotovelos e uma lesão cutânea. Após ser feito o esfregaço, este é corado pelo Ziehl-Neelsen, fazendo-se a contagem dos bacilos pela microscopia óptica com a lente de imersão, onde são calculados os índices bacteriológico e morfológico. Os bacilos se coram de vermelho e poderão se apresentar de 2 formas: homogêneos ou íntegros, que correspondem aos bacilos viáveis, e granulosos ou fragmentados, que são os não-viáveis. O índice bacteriológico (IB) corresponde ao número de bacilos encontrados por campo, independentemente de sua morfologia e é expresso pela escala logarítmica de Ridley.
– = ausência de bacilo.
1+ = 1 a 10 bacilos / 100 campos
2+ = 1 a 10 bacilos / 10 campos
3+ = 1 a 10 bacilos por campo
4+ = 10 a 100 bacilos por campo
5+ = 100 a 1000 bacilos por campo
6+ = mais de 1000 bacilos por campo
O índice morfológico (IM) é a porcentagem de bacilos homogêneos encontrada. Nas formas multibacilares, virgem de tratamento, o IM estará positivo, sendo raramente maior que 10 e usualmente menor que 5. O IM pode cair para zero em um paciente LL após 4 semanas de tratamento por MDT.
Histopatologia: Nos casos de dúvida diagnóstica o exame histopatológico será bastante esclarecedor e fará o diagnóstico de certeza na grande maioria dos casos. A biópsia deve ser profunda, pois os filetes nervosos mais espessos são encontrados na hipoderme, sendo muito importante observar o envolvimento neural ou a presença de bacilos nestas estruturas. Sempre que possível, fazer biópsia na área que demonstre maior atividade clínica. Os cortes histológicos são corados pelo hematoxilina-eosina e pelos métodos de pesquisa de BAAR como o Ziehl-Neelsen ou Fite-Faraco.
Forma Indeterminada: Infiltrado inflamatório linfohistiocitário discreto perineural e ao redor de anexos. A pesquisa de bacilos geralmente é negativa. O aspecto histológico é pouco específico. Forma TT: Observa-se tanto na derme papilar como reticular um infiltrado granulomatoso de aspecto nodular, perianexial e perineural, constituído por células epitelióides, células gigantes do tipo Langhans e grande número de linfócitos dispostos em coroa. Os filetes nervosos e as glândulas sudoríparas podem estar parcial ou completamente destruídos pelo infiltrado. Não são encontrados bacilos. Forma BT: Diferencia-se da forma TT porque o infiltrado não toca a epiderme e pela escassez de células gigantes. A pesquisa para BAAR normalmente é negativa. Forma BB: No infiltrado inflamatório os granulomas mostram uma diferenciação epitelióide, sem células gigantes e com poucos linfócitos. BAAR são facilmente encontrados. Forma BL: Infiltrado inflamatório rico em linfócitos, raríssimas células epitelióides e riquíssimo em células de Virchow. BAAR são facilmente encontrados e globias não são incomuns. Forma LL: Infiltrado inflamatório difuso, geralmente ocupando toda a derme e constituído principalmente por células de Virchow e raros linfócitos é visto nas lesões papulosas ou nodulares. Na pele clinicamente normal os macrófagos, usualmente com globias, apresentam distribuição perianexial, perivascular e perineural, entretanto, sem caráter destrutivo. Observa-se a faixa de Unna, uma faixa de colágeno normal entre a epiderme e o infiltrado. Os filetes nervosos quando invadidos pelo infiltrado passam a ter aspecto concêntrico, em camadas que lembram casca de cebola. Ocorre a presença de numerosos bacilos.
Diagnóstico diferencial: As máculas hipocrômicas da forma indeterminada devem ser diferenciadas da eczemátide, máculas hipocrômicas residuais pós-inflamatórias, nevo hipocrômico, pitiríase versicolor e vitiligo. As placas eritêmato-infiltradas das formas T e BT fazem o diagnóstico diferencial com: granuloma anular, pitiríase rósea, leishmaniose papulosa, dermatofitose, sarcoidose, lúpus vulgar, lúpus eritematoso discóide e psoríase. As placas anulares e pápulo-nodulares múltiplas das formas multibacilares fazem diagnóstico diferencial com: linfomas cutâneos, sífilis secundária, histoplasmose cutânea, esporotricose e leishmaniose.
Estados reacionais: Representam episódios de agudização que, dependendo do tipo e da intensidade ou do órgão atingido, pode deixar seqüelas, caso não sejam devidamente diagnosticados e tratados. Os estados reacionais são classificados, de acordo com Ridley e Jopling, em: reação tipo 1 e reação tipo 2 (Eritema nodoso). Reação tipo 1: Ocorre na forma dimorfa em conseqüência do rompimento do equilibrio imunológico relacionado à imunidade celular. Essa reação pode ser:ascendente (Up-grading) e descendente (Down-grading).
Reação Ascendente: Ocorre geralmente nos 6 primeiros meses de tratamento. Há uma rápida melhora da imunidade celular, invertendo a tendência natural da hanseníase dimorfa, na ausência de tratamento, de evoluir lentamente em direção ao pólo virchowiano. O paciente sob tratamento apresenta diminuição do número de bacilos, diminuição da carga antigênica e melhora da imunidade celular. Caracteriza-se clinicamente pela mudança rápida de algumas ou todas as lesões cutâneas que se tornam eritematosas, infiltradas, mais salientes, brilhantes, quentes ao toque (lembrando uma erisipela). Por vezes há necrose com ulceração das lesões, novas lesões podem surgir e pode ocorrer descamação com a involução do quadro. Sintomas sistêmicos como febre e mal estar podem ocorrer. Comprometimento neural é bastante freqüente, com tumefação rápida de um ou mais nervos, com dor e sensibilidade no local do edema, principalmente onde o nervo é mais superficial. Pode ocorrer alteração motora grave, sendo os nervos mais afetados: nervo cubital garra cubital; nervo ciático-popliteo externo pé caído; nervo facial paralisia facial. Essas paralisias podem ser permanentes se negligenciadas ou tratadas incorretamente. Pode ocorrer abscesso do nervo, havendo edema e flutuação em continuidade com o nervo afetado. Pode ocorrer, também, edema das mãos, pés ou face.
Reação Descendente:É uma piora gradual com mudança em direção ao pólo virchowiano. Ocorre principalmente nos pacientes sem tratamento, sendo vista na forma BL e menos freqüentemente na forma BB. Reação Tipo 2: Ocorre quase que exclusivamente nas formas bacilíferas virchowianas e alguns casos de BL. Há envolvimento da imunidade humoral com aumento da produção de anticorpos. Manifesta-se clinicamente pelo aparecimento de lesões nodulares, eritematosas, dolorosas, numerosas, surgindo em qualquer parte do corpo, principalmente braços, face e coxas, poupando couro cabeludo, axilas, virilhas e região perineal. É o eritema nodoso hansenótico. Geralmente não ocorre nos primeiros 6 meses de tratamento, aparecendo mais tarde quando as lesões estão em regressão e os bacilos mostram-se granulosos. Manifestações sistêmicas são freqüentes com febre, mal estar, mialgias, artralgias, nevralgias, osteoalgias, gânglios linfáticos aumentados e dolorosos, lesões oculares (irite, iridociclite, episclerite), lesões testiculares (orquite, orquiepididimite), hepato e esplenomegalia, glomerulonefrite aguda com albuminúria, hematúria e cilindrúria. Em reações graves podem ocorrer vesículas, bolhas e ulcerações. Freqüentemente há edema nas mãos, pés e face. Na reação tipo 2 há uma “síndrome humoral” com aumento de VHS, lipidorreações sorologicamente positivas (VDRL, Wasserman), aumento de IgG, IgM, C2 e C3, proteina C reativa, FAN, ASO, fator reumatóide, prova do látex positiva e Waaler-Rose com títulos elevados que Azulay denomina doença auto-imune hansênica. Tratamento: Desde 1986, o esquema de tratamento da hanseníase adotado no Brasil, de acordo com recomendação da Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária do Ministério da Saúde é a poliquimioterapia (PQT). Os objetivos da quimioterapia combinada são a destruição efetiva do M. leprae no prazo mais curto possível e a prevenção da emergência de cepas resistentes, para evitar fracassos de tratamento ou recidivas. Os medicamentos utilizados na PQT são rifampicina, clofazimina e dapsona (DDS) para os casos multibacilares (MB) e rifampicina e dapsona para os casos paucibacilares (PB).
Rifampicina:É um agente bactericida excepcionalmente potente contra oM. leprae. É rapidamente absorvida com grande distribuição pelos tecidos, atravessando as membranas lipidícas, sem perder sua ação antimicrobiana em meio ácido, o que a torna extremamente importante em infeccões onde a bactéria sobrevive dentro das células como acontece com a hanseníase e a tuberculose. Seu modo de ação é a inibição seletiva da RNA polimerase dependente do DNA. Efeitos colaterais que podem ocorrer são: manifestações cutâneas com rubor e/ou prurido, envolvendo principalmente a face, muitas vezes com lacrimejamento e eritema nos olhos, ocorrendo 2 ou 3 horas após a administração da dose, geralmente no início do tratamento; manifestações gastrointestinais com dor, náuseas, às vezes acompanhada de vômitos e mais raramente de diarréia, podendo ocorrer principalmente nos 6 primeiros meses;manifestações respiratórias, ocorrrendo raramente 2 a 3 horas após a administração, com dispnéia e choque; síndrome “gripal” com quadro de febre, dor de cabeça, calafrios, mal estar geral e dores nos ossos, 2 a 3 horas após a administração da dose, ocorrendo entre o 3° e o 5° mês de tratamento; púrpura; anemia hemolítica; choque e insuficiências renal, além de alterações hepáticas. É importante orientar o paciente que a urina, o suor e a lágrima podem ter um coloração avermelhada durante o uso da medicação. A eficácia dos esteróides e de anticoncepcionais podem diminuir com o uso da rifampicina. A dose usual em adulto é 600mg/dia e a dose pediátrica é 10mg/kg/dia. Clofazimina: é um corante iminofenazínico que tem um efeito antimicrobiano contra o M. leprae similar a dapsona, inibindo a multiplicação do bacilo. O medicamento tende a se depositar predominantemente nos tecidos gordurosos e nas células do sistema reticuloendotelial, onde permanece por longo tempo, sendo englobado pelos macrófagos em todo o corpo, e eliminado lentamente. Sua meia vida, após a administração oral, é de pelo menos 70 dias. A excreção da clofazimina por via urinária é insignificante. É eliminada pelas fezes e em pequena quantidade no escarro, no suor e leite materno. Efeitos colaterais são representados por manifestações cutâneas com pigmentação na pele (coloração castanho escura) que é reversível, levando alguns meses para desaparecer após o término do tratamento; ocorre com frequência xerodermia (pele seca) e prurido; olhos com pigmentação da conjuntiva, mas sem alteração da acuidade visual; manifestações gastrointestinais com náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia intermitente, anorexia e perda de peso. Esses efeitos não são freqüentes com a dose habitual, mas vistos com as doses mais elevadas, utilizadas nos estados reacionais. A dose usual para adulto é 50mg/dia.
Dapsona: A diamino-difenil-sulfona (DDS) é um medicamento extremamente ativo contra oM. leprae inibindo a multiplicação do bacilo. É absorvido no estômago, alcançando o nível máximo no plasma em 3 a 6 horas, com excelente penetração e ampla distribuição nos tecidos. É excretada muito lentamente pela urina e tem meia vida de 28 horas. Efeitos colaterais: manifestações hematológicas com anemia hemolítica, metahemoglobinemia (cianose, dispnéia, taquicardia, fadiga, desmaios -> suspender o medicamento e encaminhar o paciente ao hospital) e agranulocitose; manifestações cutâneas com quadro de eritrodermia, eritema pigmentar fixo e urticária; síndrome sulfônica (linfadenopatia, febre, exantema esfoliativo e hepatite); manifestações neurológicas com quadro de neuropatias periféricas, não sendo freqüente com as doses utilizadas nos esquemas de tratamento da hanseníase; manifestações neuro-psiquícascom quadro freqüente de cefaléia e fadiga, podendo excepcionalmente ocorrer psicose. Pacientes com deficiência de 6-GPD (glicose-6-fosfato desidrogenase) devem ser identificados antes do tratamento pelo maior risco de hemólise e metahemoglobulinemia. A hemólise parece ser evitada pelo uso concomitante de 800U de vitamina E ao dia. A dose usual para adulto é 100mg/dia e a dose pediátrica é 0,9 a 1,4mg/kg/dia .
Duração do tratamento PQT- PB: 6 doses em até 9 meses. Para crianças abaixo de 10 anos deve-se adequar a dose de acordo com os medicamentos: Rifampicina 10mg/kg/dia; Dapsona 0.9 a 1.4 mg/kg/dia e Clofazimina 100 mg uma vez ao mês e 50 mg duas vezes por semana.
É indicado para casos de lesão única com aspecto de lesão indeterminada ou tuberculóide, BAAR negativo, alteração da sensibilidade superficial, ausência de envolvimento de tronco nervoso. Critérios de exclusão:
• Casos menores de 7 anos;
• Gravidez;
• Pacientes já submetidos a terapêutica específica;
• Pacientes com outra doença associada.
Esquema de 12 doses de PQT: A OMS, em 1997, fez a recomendação de utilizar o esquema de 12 dosse em até 18 meses de PQT-MB em pacientes com hanseníase multibacilar. No Brasil, ainda é recomendado apenas nos Centros de Referência, e os critérios de inclusão para a utilização do esquema de 12 doses são os mesmos da PQT padrão de 24 doses, devendo serem excluídos os casos virchowianos com IB elevado, com pouca desinfiltração após 1 ano de tratamento, pacientes com tratamento irregular e os que apresentam graves reações Tipo 1 e Tipo 2 (esses pacientes devem utilizar o esquema multibacilar padrão de 24 doses). A medicação é fornecida gratuitamente pelo Programa de Controle de Hanseníase de cada estado, e tem uma apresentação em cartelas contendo a medicação para 4 semanas. Após esse período o paciente deve retornar ao serviço de saúde/consultório médico para receber a dose mensal e a cartela para a medicação diária. É importante a regularidade ao tratamento. Toda a atenção deve ser dada ao paciente faltoso, para evitar o abandono. O abandono de tratamento pode manter um paciente bacilífero, sendo este fonte de infecção e transmissão para a comunidade, podendo acarretar resistência medicamentosa. Cuidados Gerais no uso das drogas na PQT: A PQT não deve ser utilizada em pacientes com disfunções renais ou hepáticas graves. A dapsona não deve ser utilizada em pacientes com anemia severa. Pacientes com alergia às sulfas não devem tomar dapsona. Exames laboratriais de rotina (hemograma, provas de função hepática e parasitológico de fezes), devem ser realizados, sempre que possível, antes do início do tratamento. Pacientes com necessidades especiais: Concomitância com a Tuberculose: Requerem tratamento simultâneo as duas doenças. A rifampicina é droga comum aos dois esquemas, devendo ser administrada de acordo com o esquema da tuberculose, utilizando-se em doses diárias. Ao término do tratamento da tuberculose, o paciente retorna ao esquema mensal utilizado na hanseníase. Infecção pelo HIV:É o mesmo de qualquer outro paciente. O seu controle, incluindo o tratamento das reações, não requer modificações. Gravidez. Os esquemas de tratamento com PQT são considerados seguros tanto para a mãe como para a criança e devem ser continuados durante a gravidez. É necessário, no entanto, considerando as alterações freqüentes na gravidez – anemia, náuseas, vômitos – uma maior atenção às pacientes para excluir os efeitos colaterais das drogas. Em pacientes multibacilares, onde é freqüente a presença de estados reacionais (Reação Tipo 1 e Reação Tipo 2), recomenda-se sempre no momento do diagnóstico da hanseníase orientação para um planejamento familiar durante o tratamento, considerando que o manejo das reações é sempre mais complicado nestas pacientes. Tratamento dos Estados Reacionais: Reação Tipo 1: Uso de cortiscosteróide, como a prednisona, na dose de 1mg/kg/dia. Recomenda-se esquemas com regressão gradativa, como exemplo 60mg/dia durante 15 dias ® 50 mg/dia durante 15 dias ® 40 mg/dia durante 15 dias ®30 mg/dia durante 15 dias® 20 mg/dia durante 15 dias® 10 mg/dia durante 15 dias. Orientar o paciente sobre a neurite que ocorre nesse estado reacional e sobre os cuidados para evitar incapacidades físicas. Reação Tipo 2: A medicação de escolha é a talidomida, na dose de 100 a 300mg/dia. Não tem nenhuma ação sobre os bacilos, sendo sua ação no estado reacional, provavelmente, por mecanismos imunossupressores. A talidomida é proibida em mulheres em idade fértil pelo seu grave efeito teratogênico (causando focomelia) . Efeitos colaterais que podem ser observados: cefaléia, irritabilidade, secura das mucosas oral e nasal, manifestações gastrointestinais como náuseas e vômitos, reações alérgicas e toxidade para o sistema nervoso periférico. Nos casos de impossibilidade do uso da talidomida e nas reações graves indica-se o uso de corticosteróide. No tratamento dos Estados Reacionais, pode ser usado também a clofazimina, que tem ação antiinflamatória quando usada em doses diárias de 200 a 300mg com as seguintes indicações:
• Nas reações tipo 2 de caráter recidivante e de difícil controle.
• Nas reações tipo 1 em pacientes com doses altas de corticosteróide ou com dependência.
• Na impossibilidade de uso de corticoterapia.
A ação da clofazimina inicia-se mais lentamente do que as dos esteróides ou da talidomida, levando de 4 a 6 semanas para exercer seu efeito.