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Esclerodermia

Doença crônica de etiologia desconhecida, caracterizada por alteração da microvasculatura e fibrose do tecido conjuntivo, acompanhada de reações auto-imunes, onde pode haver uma forma puramente cutânea e outra com envolvimento sistêmico.

Epidemiologia: A esclerodermia localizada incide mais em mulheres do que em homens (3:1). Predomina na faixa etária de 20 a 40 anos, embora a forma linear ocorra mais nas duas primeiras décadas de vida. A esclerodermia sistêmica é mais freqüente nas mulheres (4:1) e geralmente tem início entre 30 e 50 anos de idade.

Etiopatogenia: É desconhecida, mas há a participação de fatores vasculares, alterações na síntese do colágeno, disfunção imunológica, fatores genéticos e ambientais. É provável que as alterações iniciais da esclerodermia ocorram nas paredes dos capilares, artérias e veias da pele e órgãos internos, particularmente nas células endoteliais, visto que o fator de Willebrand, que é um marcador de dano vascular, está aumentado. Isto levaria a uma alteração fibromucinosa da parede dos vasos precedendo as modificações fibróticas do metabolismo do colágeno. O dano no endotélio pode iniciar o processo fibrótico através dos efeitos da isquemia ou pela liberação de mediadores como o fator b de transformação e crescimento (TGF-b) e fatores de crescimento plaquetário liberados das plaquetas e células inflamatórias.
Os fibroblastos ocupam papel de destaque através da produção aumentada de colágeno do tipo I, V, VI e VII, como também de fibronectina, proteoglicans e tenascina.
Alterações na auto-imunidade têm sido sugeridas, como o FAN no soro e a ocorrência de imunocomplexos circulantes em 50% dos casos, além da presença de anticorpos contra células endoteliais em 30% dos casos.
Observa-se associação entre a esclerodermia e os HLA-B8, DR2, DR3 e DR5. Quando se procura uma associação entre alelos e anticorpos anticentrômero, esta é vista principalmente com o HLA-DQB1.
Os mecanismos normais de defesa podem ser inibidos por fatores precipitantes ambientais como a sílica inalada e o cloreto de polivinil.
Relata-se associação entre traumatismos e o desenvolvimento da esclerodermia localizada, assim como, presença da Borrelia burgdorferi em muitos casos, embora alguns autores discordem desta relação.

Manifestações clínicas:

Formas localizadas ou circunscritas: Morfea em gotas (Guttata).Caracteriza-se por pequenas lesões esclero-atróficas localizadas principalmente no tronco, sendo semelhantes às lesões do líquen escleroso e atrófico.

Morfea em placas: Em geral tem início insidioso. Surge com uma área eritematosa que pode ser levemente edematosa e evolui formando placa em geral, única ou escassas, de cor marfínica, esclerótica, superfície lisa, que na fase ativa apresenta halo eritêmato-violáceo característico (anel lilás). Com freqüência ocorre diminuição dos folículos pilossebáceos, redução da sudorese e em alguns casos, hipoestesia. Vesículas, bolhas e hemorragias podem ocasionalmente ser vistas. Em decorrência do acometimento do tecido subcutâneo pode ocorrer atrofia. Comumente as lesões não se fixam às estruturas subjacentes, porém em alguns casos, estão associadas a nódulos aderidos aos planos profundos pela fibrose dos septos fibroadiposos, caracterizando a esclerodermia profunda. Ocorre com mais freqüência no tronco, membros, face e genitália. No couro cabeludo pode levar à alopécia cicatricial.

Morfea generalizada:É uma forma grave de esclerodermia que se caracteriza por múltiplas placas enduradas semelhantes às da morfea em placas com envolvimento muscular. Inicia-se no tronco e posteriormente, acomete os membros. Não está associada com doença sistêmica. A doença com freqüência se torna inativa em 3 a 5 anos deixando, geralmente, como seqüela uma hiperpigmentação e atrofia leves. Carcinoma de células escamosas pode desenvolver-se em lesões com cerca de 20 anos de duração.


Esclerodermia linear: Caracteriza-se por lesão geralmente unilateral, linear, esclero-atrófica, algumas vezes hiperqueratósica que pode envolver músculos e ossos, resultando em distúrbios do crescimento (20%) e deformidades em flexão. Acontece com mais freqüência nos membros inferiores, seguindo-se os membros superiores, fronte e face anterior do tronco. Quando ocorre na região frontoparietal se denomina esclerodermia em golpe de sabre que pode evoluir com ou sem hemiatrofia facial. A esclerodermia linear é mais freqüente em crianças e pode estar associada com anomalias da coluna vertebral, principalmente, espinha bífida oculta, flebectasias e pés cavuns.

A síndrome de Parry-Romberg é considerada uma forma de esclerodermia linear por alguns autores, porém não é observada esclerose cutânea em nenhum estágio. Caracteriza-se por hiperpigmentação seguida de atrofia da derme, tecido celular subcutâneo e músculo de uma hemiface. Atrofia contra-lateral ou bilateral é rara. Ocasionalmente, acomete o osso subjacente. A fixação aos planos profundos é menos freqüente que na esclerodermia em golpe de sabre.

Formas sistêmicas: A esclerodermia sistêmica comumente tem início insidioso. O fenômeno de Raynaud e a poliartrite são, geralmente, manifestações precoces da doença. Em alguns pacientes a primeira queixa é o edema de extremidades e face. Progressivamente a pele vai tornando-se endurecida, espessada e aderida ao tecido celular subcutâneo. Posteriormente, torna-se atrófica. A esclerose dos quirodáctilos limita a extensão completa dos mesmos, podendo ocorrer deformidades em flexão. Pode ocorrer calcificações cutâneas, ulcerações nas polpas digitais, reabsorção óssea e até auto-amputação. É freqüente encontrar telangiectasias periungueais como no lúpus eritematoso sistêmico e na dermatomiosite. O acometimento da face leva à perda das pregas cutâneas naturais, nariz afilado, perda da expressão facial, microstomia e aparecimento de sulcos radiais em torno da boca. Alguns pacientes apresentam poiquilodermia, a qual é constituída por telangiectasias associadas com áreas de hiperpigmentação e hipopigmentação reticulada. É comum se observar hipoestesia, ausência de pêlos e anidrose. Disfagia acontece em cerca de 90% dos casos e decorre de disfunção esofagiana por alteração na motilidade e fibrose, principalmente nos 2/3 inferiores do esôfago. Fibrose e atrofia do trato gastrointestinal causam hipomotilidade e sintomas de má-absorção intestinal. Em alguns casos são observados divertículos em jejuno, íleo e cólon. Os pulmões são afetados por fibrose intersticial. Os pacientes queixam-se, freqüentemente, de tosse seca e dispnéia de esforço. Em alguns casos ocorre hipertensão pulmonar que pode complicar com insuficiência cardíaca direita. Outras anormalidades cardíacas incluem pericardite, bloqueio cardíaco e fibrose miocárdica. O acometimento renal, em geral, é assintomático, porém a insuficiência renal é a principal causa de óbito na esclerodermia sistêmica progressiva.

Síndrome CREST

É uma variante clínica da esclerodermia sistêmica caracterizada por calcinose, fenômeno de Raynaud, hipomotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasias. Inicialmente era considerada uma forma benigna da esclerodermia sistêmica. Entretanto, alguns desses pacientes desenvolvem lesões viscerais e cutâneas mais extensas. A disfunção esofágica pode ser severa e ocasionalmente, ocorre hipertensão pulmonar e cirrose biliar.

Diagnóstico: É geralmente clínico, porém em alguns casos podemos lançar mão de exames complementares.

Histopatologia: Na esclerodermia cutânea, comumente na fase inicial, inflamatória, observa-se espessamento dos feixes colágenos na derme reticular e um infiltrado inflamatório predominantemente linfocitário entre os feixes colágenos e em torno dos vasos. Na fase esclerótica tardia, a epiderme é normal, os feixes colágenos estão condensados, estendendo-se à hipoderme e verifica-se uma atrofia dos anexos. Os vasos são escassos com paredes fibróticas e lúmen estenosado.

Sorologia: Nas formas cutâneas os anticorpos antinucleares são mais freqüentemente encontrados na morfea generalizada e linear (40%). A presença destes anticorpos e o achado de eosinofilia são os indicadores de atividade e do desenvolvimento de complicações sistêmicas tardias. Anticorpos anti-histona têm sido encontrados em 87% dos pacientes com morfea generalizada, em 32% dos pacientes com morfea linear e em 25% dos pacientes com morfea localizada. Na esclerodermia sistêmica, os anticorpos antinucleares podem estar presentes em até 90% dos casos. O padrão salpicado ou nucleolar são os mais encontrados porém, ocasionalmente, observamos o padrão homogêneo.

Anticorpos anti-topoisomerase (anti-Scl-70) reconhecedores da enzima DNA-topoisomerase I estão presentes em cerca de 30% dos casos e associam-se com esclerodermia difusa e acometimento sistêmico. Anticorpos anticentrômeros são observados em 50 a 96% dos pacientes com síndrome CREST e em 12 a 25% dos pacientes com esclerodermia sistêmica. Eles são característicos da síndrome CREST mas não específicos. Podem estar presentes em outras doenças auto-imunes. Outros auto-anticorpos que podem ocasionalmente estar presentes são direcionados contra a RNA polimerase I, anti- fibrilarina e anti Nor-90.
Pacientes com achados de esclerodermia, lúpus eritematoso e miosite foram agrupados na doença mista do colágeno. Estes pacientes apresentam altos títulos de anticorpos anti-ribonucleoproteínas.
Achados radiológicos. Em pacientes com esclerodermia sistêmica a radiografia dos dentes evidencia espessamento da membrana periodontal em cerca de 1/4 dos casos. O Rx de tórax pode mostrar um aspecto mosqueado em favo de mel, mais evidente nos 2/3 inferiores dos pulmões. A radiografia contrastada do esôfago, estômago e duodeno pode detectar atonia, dilatação e retardo no esvaziamento do contraste nestes órgãos.

Tratamento: A maioria dos casos de esclerodermia localizada regride espontaneamente não requerendo tratamento. Corticoisteróides tópicos ou intralesionais nas lesões de morfea apresentam resultados questionáveis. Corticóides sistêmicos não alteram o curso da doença entretanto, podem ser indicados quando existem lesões inflamatórias ou serem associados à plasmaferese na morfea severa com altos títulos de anticorpos antinucleares.

Drogas bloqueadoras do colágeno como a D-penicilamina (500 a 1500mg/dia) têm sido empregadas com resultados razoáveis porém seu uso é limitado devido ao risco de toxidade renal e hematológica.
Antimaláricos, antiinflamatórios e colchicina tem sido usadas na esclerodermia generalizada com poucos resultados.
Imunossupressores como a ciclosporina A podem ser úteis na doença severa, entretanto seu uso é limitado devido à sua toxidade renal.
Pacientes com fenômeno de Raynaud são beneficiados com o uso de bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipina, verapamil) e com pentoxifilina.

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