Escabiose
Conceito. A escabiose ou sarna é uma dermatose comum contagiosa, com maior expressão noturna, causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei variedadehominis.
Epidemiologia e etiopatogenia. A escabiose é endêmica nos países em desenvolvimento. É mais comum em crianças e adolescentes, no entanto pode ocorrer em qualquer idade, sexo ou raça. Normalmente, está associada a baixo padrão higiênico. Um mesmo paciente pode contraí-la inúmeras vezes. Após a cópula, o parasito macho morre e a fêmea fecundada é que produzirá a dermatose, penetrando na camada córnea, escavando um túnel subcórneo que progride de 2 a 3mm por noite. Deposita 2 a 3 ovos por dia, num total de 60 a 90 ovos até morrer. As larvas hexápodas, originadas dos ovos, migram para a superfície, transformando-se em ninfas octópodas que, por sua vez, desenvolvem-se em ácaros adultos, completando-se o ciclo em cerca de 15 a 30 dias. Menos de 10% dos ovos postos transformam-se em adultos. A transmissão ocorre em virtude do contato interpessoal e, menos freqüentemente, por roupas, já que o ácaro morre em algumas horas ou em até 3 dias, fora do hospedeiro. O período de incubação é de 2 a 6 semanas na infestação primária e de 1 a 2 dias na reinfestação dos pacientes já sensibilizados.
Manifestações clínicas. O principal sintoma é o prurido, o qual geralmente piora à noite, sendo mais tolerável durante o dia. O prurido provavelmente é devido a uma reação alérgica ao ácaro ou a um de seus produtos, ou devido à maior migração noturna do ácaro. Na reinfestação o prurido aparece logo após o novo contato devido à sensibilização prévia. Clinicamente, observam-se inúmeras micropápulas ou vésico-pápulas, a maioria encimada por crostículas, com distribuição generalizada e inúmeras escoriações provocadas pelo ato de coçar. Os locais preferencialmente envolvidos são os espaços interdigitais das mãos, a superfície flexora dos punhos, nádegas, axilas, região inguinal, abdômen, especialmente a área periumbilical. O dorso normalmente está poupado. Cerca de 30% dos homens apresentam nódulos no pênis e bolsa escrotal. As mulheres podem apresentar pápulas nas aréolas mamárias. Nos lactentes além das áreas clássicas, observa-se o envolvimento também da face, couro cabeludo, palmas e plantas e região retroauricular. Vésico-pústulas disidrosiformes na região palmo-plantar constituem uma das causas da acropustulose infantil. O número de parasitas na escabiose normalmente é menor que 20, com média de 8 a 12 ácaros por paciente. Destes, cerca de 85% se encontram nas mãos e na superfície flexural dos punhos. Estas são as áreas que devem ser cuidadosamente examinadas à procura do sulco acariano onde se encontra o parasita. O túnel acariano, lesão patognomônica da escabiose, é linear com 5 a 15mm de comprimento, localizado na epiderme, feito pela fêmea fertilizada. O ácaro é visto no final do túnel como um ponto enegrecido.
Infecção secundária e eczematização podem estar associadas às lesões da escabiose. Em pacientes com bom padrão de higiene, escabiose do paciente limpo, o prurido pode ser mínimo e os sintomas objetivos podem ser raros, induzindo ao erro diagnóstico, sendo importante a história epidemiológica. O tratamento com cremes de corticóide pode suprimir a resposta imunológica dificultando o diagnóstico clínico, é a escabiose incógnita; e em outros pacientes a corticoterapia poderá fazer com que a escabiose se generalize rapidamente.
Na escabiose do idoso, pela alteração da imunidade, a sensibilização ao ácaro é menor, com resposta inflamatória diminuída, porém com prurido intenso o que leva à eczematização. Freqüentemente é confundida com a xerodermia que é comum nesta faixa etária.
A escabiose nodular é uma complicação comum nos casos generalizados e de longa duração. Caracteriza-se por nódulos eritêmato-acastanhados, muito pruriginosos, que persistem por meses, apesar de tratamento escabicida efetivo. Os nódulos são observados no pênis, bolsa escrotal e menos freqüentemente nas axilas e região periumbilical. No exame histopatológico, estes nódulos podem ser confundidos com o diagnóstico da histiocitose, linfoma ou picada de inseto.
A sarna crostosa ou sarna norueguesa é uma forma rara e muito contagiosa. Geralmente é vista em pacientes com distúrbios mentais, síndrome de Down, em imunocomprometidos e em pacientes fazendo uso de medicações imunossupressoras. Caracteriza-se por acometimento cutâneo generalizado, atingindo eminências ósseas e couro cabeludo. Pode haver crostas verrucosas e fissuras profundas na região palmo-plantar além de unhas distróficas, espessadas e massas córneas subungueais. O prurido normalmente é mínimo ou inexistente, porém em alguns casos é intenso. Linfadenopatia e eosinofilia podem estar presentes. Ao se fazer exame microscópico de um raspado das crostas serão observados inúmeros ácaros. Um paciente pode albergar mais de um milhão de ácaros, sendo altamente infestante. O diagnóstico com freqüência só é feito após aparecer um surto de escabiose na enfermaria, pelo contágio de médicos, enfermeiras e contactantes do paciente.
Escabiose de longa duração pode ser complicada com infecção secundária por bactérias do gênero staphylococcus ou streptococcus, manifestando-se sob a forma de furúnculo, foliculite ou impetigo. Têm sido descritos casos de glomerulonefrite em pacientes com escabiose causada pela cepa nefritogênica do streptococcus. Se não tratada a condição pode perdurar por anos.
Diagnóstico diferencial. A escabiose pode ser confundida com dermatoses pruriginosas como a dermatite atópica, urticária papular, prurigo estrófulo, dermatite herpetiforme e acropustulose infantil. A acropustulose infantil é uma afecção crônica caracterizada por erupções periódicas de vésico-pústulas nas palmas e plantas, muito pruriginosa, geralmente vista em crianças no primeiro ano de vida, com melhora espontânea temporária e recorrendo em poucas semanas ou meses. É comum que o diagnóstico da acropustulose seja feito após falha terapêutica com os escabicidas e pela falta de familiares com os mesmos sintomas.
Escabiose dos animais. Quando contraída é auto limitada, pois o ácaro do animal não consegue fazer seu ciclo biológico no ser humano. As lesões lembram muito a escabiose humana, no entanto se limitam mais à área de contato com o animal, sendo transitórias.
Diagnóstico laboratorial. Para o diagnóstico de certeza da escabiose é fundamental que se demonstre a presença de túneis acarianos e do próprio ácaro. A técnica para demonstrar o ácaro consiste em se raspar a pele várias vezes na área suspeita, com uma lâmina de bisturi cega, umedecida com óleo mineral, e examinar este material ao microscópico, procurando pelo ácaro, ovos ou material fecal do parasita.
Tratamento
Local. Os escabicidas devem ser aplicados do pescoço aos pés, à noite, sendo retirados pela manhã, permanecendo no corpo no mínimo por oito horas, durante 2 noites consecutivas, repetindo-se o tratamento após 7 dias, pois estas substâncias não são bons ovicidas. O paciente deverá ser informado de que o prurido não irá ceder imediatamente após o uso da medicação, podendo persistir por até 2 semanas após o tratamento, mesmo que os ácaros tenham sido erradicados com sucesso. Todas as pessoas da mesma família ou de convívio íntimo deverão usar o medicamento mesmo que não apresentem nenhum sintoma. Evidência de cura requer um seguimento de aproximadamente um mês. Este tempo permite a cura das lesões e a possibilidade de qualquer ovo ou larva atingir a maturidade se o tratamento falhar, ou seja, vai além do tempo de incubação.
Permetrina a 5% é um novo agente escabicida, piretróide sintético, que tem demonstrado ser seguro e de eficácia terapêutica superior quando comparado aos outros escabicidas convencionais. Não deve ser usado em crianças menores de 2 meses de idade. Embora uma única aplicação seja normalmente curativa, um segundo tratamento uma semana depois é recomendado para reduzir o potencial de reinfestação devido a fomites e eliminar qualquer larva que tenha surgido neste período. Durante a gestação pode ser usado durante o período de 2 horas.
Benzoato de benzila a 25% é irritante, devendo-se orientar o paciente que evite seu uso além do prescrito.
Lindano a 1% deverá ser empregado, preferencialmente, em crianças acima de 7 anos de idade, devido aos seus efeitos colaterais de neurotoxidade abaixo desta idade. Em condições em que o risco da absorção é maior, como em crianças pequenas, idosos e em casos com muitas escoriações, pode-se utilizar o lindano, deixando-o apenas 6 horas por dia. Foi proibida sua comercialização no Brasil.
Monossulfiran a 25% deverá ser diluída em duas (adultos) ou três (crianças) partes de água imediatamente antes da aplicação, pois está diluição forma uma suspensão instável. Advertir os pacientes sobre a necessidade de evitar o uso de bebidas alcoólicas durante e mesmo após alguns dias, pela possibilidade de ocorrência de reações cutâneas, pelo efeito antabuse.
Corticóide oclusivo ou intralesional pode ser utilizado em casos de escabiose nodular, após o tratamento convencional.
Enxofre 10 a 20% em pasta d’água pode ser empregado, com segurança, em crianças de tenra idade e mesmo em gestantes, por 4 noites, com intervalo de 7 dias e aplicação de mais uma noite.
Sistêmico. Ivermectina via oral em dose única de 200mg/Kg, devendo ser repetida com 7 a 14 dias. Trata-se de medicação de uso veterinário freqüente para se tratar grande número de ectoparasitas, que posteriormente foi usada para tratar a oncocercose em humanos. É medicação bastante eficaz na escabiose quando comparada às medicações de uso tópico; de grande utilidade na forma crostosa. A ivermectina parece ser medicação segura e eficaz, mesmo em imunodeprimidos, com poucos efeitos colaterais. No entanto não deve ser usada em crianças abaixo de 5 anos ou com menos de 15Kg de peso corporal, gestantes e durante o aleitamento, devido a possibilidade de uma inadequada barreira hematoencefálica no feto e em crianças pequenas.
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Tiabendazol pode ser empregado, por via oral, na dose de 50mg/kg, durante 10 dias.
Talidomida ou antihistamínicos podem ser úteis na escabiose nodular.